quarta-feira, 20 de outubro de 2010

NUM TEMPO EM QUE MÚSICA TINHA MELODIA


Estava sentado ao pé do meu computador, olhando pela janela a pensar na vida, eis que me surge na mente a idéia de falar de música, da música da era do rádio.

Perdoem-me os leitores mais jovens, mas a qualidade das composições musicais tem evoluído através do tempo no sentido inverso ao do progresso tecnológico. Quanto mais a tecnologia evolui, maior é a decadência musical.

Estava deixando meus pensamentos vagarem da mente para a bela paisagem emoldurada pela janela, quando recordei a voz do Lúcio Alves acompanhado por Dick Farney ao piano, cantando A saudade mata gente.

Meus românticos leitores, eu lhes convido a clicar AQUI, e ouvi-la, sem conversar, sem se mexer. Ah, poucos possuíam a suavidade na voz, como Lúcio Alves!

“Fiz meu rancho na beira do rio...” O início é triunfal, mas “meu amor foi comigo morar” é antológico, divino, inigualável. Depois vem a romântica interpretação de Dick Farney, e no final os dois fazem um dueto que nos leva a querer repetir a música sem parar.

Lúcio Alves possuía uma das mais belas vozes do rádio e uma interpretação envolta num clima romântico, que levava a moçada da época a suspirar a cada nova interpretação.

Havia grandes intérpretes naqueles tempos idos em que as músicas tinham uma linha melódica e as letras eram poesia pura. O Lúcio era um caso à parte. A impressão é que ele tinha uma magia na voz que não parecia coisa de gente, era um som meio angelical, que devia vir direto do céu.

Aos meus amigos portugueses, não os mais jovens, mas os que curtiram os fados da Amália Rodrigues, eu os parabenizo, por terem a seu crédito, haver participado de uma era do rádio da qual fez parte uma das mais fabulosas intérpretes da música popular.

Amália não foi uma cantora de fado, ela era simplesmente Amália. A guitarra de Carlos Gonçalves dava o tom e Amália botava o coração na voz. Era a Amália e as outras, as outras eram as outras.

Lisboa, Coimbra, A Severa, Casa Portuguesa, Lágrima e o Barco Negro são algumas das melodias que na voz de Amália se eternizaram. E atravessaram os mares, e encantaram a todos nós, que de ouvidos colados no rádio saboreávamos no Brasil os seus sucessos na Era do Rádio.

“Rua do Capelão, juncada de rosmaninho. Se o meu amor vier cedinho, eu beijo as pedras do chão que ele pisar no caminho”. E isso cantado com uma emoção que vinha do fundo da alma.

“Viver abraçado ao fado, morrer abraçada a ti”. E este epílogo trágico, ou quase. Lindo, simplesmente lindo!

Aqueles eram outros tempos, meu assíduo leitor, eu bem o reconheço, e não os quero de volta, pois me dou por satisfeito com a vida que levo. Mas, e as músicas, o que fizeram com as músicas?


E os cantores, por onde andam as belas vozes e os intérpretes românticos? Gritos, urros ou declamações chatas e feias são os dons dos intérpretes modernos. Que decadência musical!

Se um desses cantores moderninhos fosse cantar essas coisas horrorosas rotuladas de músicas, num Programa César de Alencar ou Manoel Barcelos, seria posto para fora do palco pela platéia enfurecida.

O rádio era um veículo sério, que só veiculava programas de qualidade. Programas de auditório, humorísticos, teatros ou noticiários tinham um padrão de qualidade, que, me desculpem os artistas contemporâneos, não se encontra mais nos dias de hoje.

Os jornais concorriam por oferecer um furo de reportagem. Os jornais de hoje, liderados por Globo, Estadão e Folha, só nos dão reportagens furadas.

Na Era do Rádio, Correio da Manhã, Diário de Notícias, O Jornal e depois o Jornal do Brasil lutavam nas bancas, por leitores seletos que sabiam o que queriam. Hoje, ninguém sabe o que quer, e os jornais atuais também não sabem o que dizer. Ou melhor, sabem, mas era melhor que ficassem calados.

As revistas O Cruzeiro e Manchete que competição aguerrida, em alto nível, cada uma buscando um melhor ângulo para expor as fotografias dos fatos ocorridos no mês! O Jornal das Moças mostrando a moda da época, com vestidos que se podia reconhecer nas moças transitando pelas ruas. Hoje, quem é capaz de vestir um desses vestidos, exibidos por mocinhas magrinhas em desfiles de moda, e sair a perambular pelas ruas da cidade?

Dedico esta minha reflexão aos valores artísticos do passado, que por lá ficaram e aqui não chegaram. Lamento que a atual boa música, salvo raras exceções, não passe de uma série de composições sofríveis, e nada mais. E as más músicas são horrorosas e de um mau gosto que não dá para descrever.

As minhas desculpas, moços e moçoilas, que não conheceram a voz de Lúcio Alves e que julgam a Amália Rodrigues uma peça de museu, mas a mocidade perdeu o contato com as jóias musicais. É o mesmo que falar de futebol, sem nunca ter visto o Pelé jogar. Não dá para imaginar o bom, se os parâmetros são medíocres.

Eu vou ficando por aqui. Vou pedir a Flora para tocar de novo A saudade mata a gente, que está num link do blog dela, Flora da Serra. Quem quiser me acompanhar, fique à vontade, é só clicar no mesmo link que coloquei lá em cima.

O pensamento é livre, e nos leva para onde quisermos, como uma máquina do tempo. Eu estou viajando a todo vapor para e Era do Rádio. Senhores passageiros, tomem os seus assentos, e boa viagem. Estou até ouvindo a voz de Jorge Veiga: “Alô, alô, senhores aviadores que cruzam o céu do Brasil, aqui fala Jorge Veiga, diretamente da Rádio Nacional, estações do interior queiram dar seus prefixos para guia das nossas aeronaves”.