sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Fim de semana em Paquetá com Sandoval Dias

"Esquece por momentos teus cuidados, e passa teu domingo em Paquetá".
Os versos de Braguinha me fazem recuar no tempo, até os anos 50, quando Paquetá era o meu Jardim do Éden.
A Ilha de Paquetá era o xodó do tio Sandoval, que tinha uma verdadeira adoração por aquele recanto de amor.
Eu embarquei no sonho do meu tio, e não conseguia dormir, quando minha família se programava para passar um fim-de-semana em Paquetá.
Naqueles idos de 50, meu tio Sandoval decidiu comprar uma casa em Paquetá, para seu descanso de final de semana. Na sexta-feira, ele saía da Rádio Nacional, à noite, pegava a última barca, e chegando no cais, dava alguns passos e já estava em casa.
A casa era um encanto de conforto e muito aconchegan
te, com seu salão no 1º andar e os quartos no andar de cima. Ainda hoje, trago na memória o cheiro do mar, que entrava pela janela do banheiro, quando de manhã cedo, eu ia escovar os dentes. O banheiro ficava no 2ºandar, e recebia a brisa matinal, vinda da praia.
Os preparativos de viagem, naqueles finais de semana, me deixavam numa excitação indescritível. A família suburbana saía de casa, ainda no escuro, para pegar o lotação Cordovil-PraçaXV, que passava no Largo de Bonsucesso.

Quando chegava na Praça XV, a simples contemplação do mar, junto ao cais, e o cheiro de maresia me deixavam em êxtase.
Se viajávamos de barca, eu tinha lá minhas preferências, "a Terceira é muito lenta, a Sétima é melhor". As barcas da Cantareira eram numeradas, po
r sei lá que critério, nem me interessava.
Lentamente, a barca se arrastava pelas águas calmas da Baía de Guanabara. Vez por outra, enfrentava-se um mar mais agitado, que as grandes barcas encaravam
com relativa estabilidade.
Se a opção fosse a lancha, então a viagem era m
ais rápida, cerca de uma hora, contra duas, ou um pouco mais, das barcas. Eu preferia a Pedreira, mas não via com maus olhos ter de viajar numa das Orientes I ou II. Essas eram lanchas grandes, que davam uma sensação de segurança, pelo menos para um menino sonhador, que aceitaria uma jangada, se preciso fosse, para alcançar o seu destino, a Ilha de Paquetá.
Em lá chegando, encontrava-se o tio Sandoval, de bermuda, pedalando a sua bicicleta e cheio de energia. Lembro-me que, um dia, ele me convidou para dar uma volta no porta-embrulho da bicicleta, e lá fui eu, cheio de orgulho, me sentindo importante, por estar ali com meu tio, um músico famoso. De repente, meu tio parou a bicicleta, atendendo o chamado de um conhecido. Começaram a conversar sobre composições de autoria daquele que parecia ser um compositor musical, ou pretendia ser. Meu tio pediu que ele cantasse um trecho da música que ele havia composto, o cidadão limpou a garganta e mandou ver. Finda a breve audição, tio Sandoval recomendou que ele o procurasse, na segunda -feira, na Rádio Nacional. E seguimos o nosso passeio, com o meu coração acelerado, por haver presenciado um fato inusitado, para uma criança na minha idade. Eu devia ter 7 ou 8 anos, e não estava acostumado com aquele mundo artístico.
O amor do tio Sandoval por Paquetá durou alguns anos e rendeu-me belos finais de semana olorosos, quando o mar desfeito em rosas refle
tia a lua cheia. O marulhar das ondas na praia, ao cair da tarde, voltava comigo para casa, gravado em minha memória, e embalava o meu sono pelas semanas seguintes, até que acontecesse um novo fim de semana em Paquetá.

2 comentários:

Flora Maria disse...

E eu não conheci Paquetá !

Que pena não ter passado uns dias lá com você "abraçadinhos, descuidados sob um céu de flamboyant".

Beijo

Gilberto Gonçalves disse...

Minha querida, Flora, não se esqueça que havia um oceano separando a romântica ilha do continente.
Se não atravessamos os mares, nem por isso deixamos de ficar abraçadinhos, enquanto o mar quebrava na areia. Se não sob um céu de flamboyant, e não tão descuidados assim, pelo menos nas praias da Ilha do Governador e mais tarde na Barra.
De qualquer forma, devo reconhecer que, foi mesmo uma pena, não passearmos de mãos dadas junto à Pedra da Moreninha ou nos sentarmos debaixo das árvores na Praia da Guarda, admirando o ir e vir do mar.
Beijos.
Gilberto.