sábado, 14 de março de 2009

Vamos trocar figurinhas ?

Esta postagem é dedicada à minha leitora Myriam Esteves e à sua sobrinha Regina, que, ao se depararem com o Na Era do Rádio, souberam dar valor ao seu conteúdo. Encantada com a matéria sobre as balas Ruth, a Myriam descobriu meu telefone e relembrou comigo outras coleções de figurinhas, que fizeram parte de nossa infância.
A Myriam mencionou, no meio da conversa, as balas Hollandezas, que ela colecionara quando menina, e eu confessei-lhe a minha ignorância, por nunca ter ouvido falar naquelas balas. Nessa hora é que eu descobri que conversava com uma mulher, no mínimo, 10 anos mais velha do que eu, ligada na internet e interessada nessa mesma cultura popular. Que maravilha !
Desliguei o telefone, e pus-me a pesquisar sobre as Hollandezas, e descobri bem mais do que pensei, e do que, talvez, a própria Myriam pudesse imaginar que houvesse ocorrido, naqueles seus tempos de menina.
As balas Hollandezas e suas figurinhas foram lançadas em 1934, e a partir daí ocorreu uma "febre" de colecionadores, que chegou a gerar polêmica na sociedade da época. O jornal A Tribuna de Santos fez uma matéria de capa, em sua edição de 7 de novembro de 1934, com o título "Balas Hollandesas - a coqueluche da cidade". Na matéria, o jornal começou uma série de reportagens condenando o que chamava de perda de tempo e de um pseudo passa-tempo, que beneficiava a uns poucos espertalhões que lucravam com o comércio das figurinhas mais difíceis.
O jornal relatava a loucura que tomara conta de
homens, mulheres e crianças, que se reuniam em praças e esquinas, buscando conseguir as figurinhas que faltavam para completar o álbum.
As balas Hollandezas, que não são d
o meu tempo, foram as grandes precursoras das balas Ruth, essas, sim, da minha época, e que me acompanharam numa bela fase da minha infância.


As balas Ruth foram lançadas em 1950, oferecendo prêmios para quem enchesse o álbum. Eram bicicletas, bolas de futebol e outros sonhos de consumo da garotada do
meu tempo. A história comprova que saía muito mais barato ir na loja e comprar os prêmios ofertados, do que tentar ganhá-los comprando balas. E quem estava se importando com os prêmios ? O sonho de qualquer criança da época era completar o álbum com as 360 figurinhas diferentes, que viviam escondidas nas embalagens das balas Ruth. Essa empreitada chegou a ser considerada, por muitos, quase impossível, pois haviam 4 figurinhas muito difíceis de serem conseguidas : a do Açucar, a da Casa de Madeira, a da Locomotiva de 1877 e a do Shakespeare.
A ansiedade por encher cada página do álbum é indescritível para os padrões atuais. Cada bala desembrulhada e o surgimento de uma figurinha que faltava no álbum era motivo de pulos e gritos, que as crianças de hoje em dia não conseguiriam entender, e nem ver motivos para tanto. Mas, na Era do Rádio não tinha joguinho eletrônico, não se gastava tanto tempo diante de uma tela de computador tentando matar um inimigo ou roubar algum tesouro protegido por seres descomunais de feições horrorosas.
A alegria da garotada era uma boa pelada em rua de terra, jogo de botõ
es pela calçada, álbuns de figurinhas para colecionar, parque de diversões em fim de tarde e matinês em cinemas ou circos, em sábados e domingos. A televisão estava começando, e só os bacanas é que tinham poder de compra para possuir uma Zenith, Emerson ou RCA, as marcas da época.
As minhas coleções eram as imagens que eu mais prezava, e abrir um álbum e encontrar uma página completa era muito melhor que esperar o vizinho ligar a televisão para ver a Virginia Lane, de pernas de fora, comandando os Espetáculos Tonelux, ou mesmo um desenho animado do Popeye ou do Mickey.
A meninada do meu tempo gostava mesmo era de coleções. Colecion
ava-se tudo, desde figurinhas e carteiras de cigarro, até chapinhas de cerveja e gibis. E tudo era motivo para negociações de trocas e desafios para jogo, com a intenção de conquistar aquela peça faltante na nossa coleção.
Lembro-me perfeitamente de meus álbuns de Artistas de Cinema e de Jogadores de Futebol, que compunham, com o das balas Ruth, a tríade perfeita das m
inhas coleções sagradas de figurinhas.
As figurinhas dos artistas e dos jogadores não vinham enroladas em bala, mas dentro de pacotinhos fechados, e eram vendidas em bancas de jornal. Dentre as figuras dos jogadores tinham as famosas e disputadas figurinhas carimbadas, que eram difíceis de serem conseguidas e alcançavam altas cotações na bolsa de trocas. Creio que muitos desconhecem ser esta a origem do termo "figurinha carimbada", ainda hoje usada para designar uma pessoa difícil de ser encontrada, ou muito cotada na roda de amigos.

Os nossos pais também tiveram a sua época de figurinhas, que não era
m coladas em álbuns, mas guardadas como cartas de baralho, em caixinhas de papelão, caixas de charutos ou naquelas mimosas caixinhas de madeira do Matte Leão. Eram as Estampas Eucalol, que surgiram no meio da década de 20 e permaneceram no mercado até meados dos anos 60. Dessas, eu não tive coleções, mas tive contato com algumas delas, guardadas por meus pais, de forma meio descompromissada, sem pretensões a reuni-las numa coleção.
Das balas Hollandezas, eu não lembrava; para as Estampas Eucalol, eu não ligava, mas as Balas Ruth foram inesquecíveis, e têm o seu sabor retido, até os dias de hoje, na minha memória gustativa.
A minha outra memória, a visual, jamais conseguiu esque
cer os momentos em que, sentado a mesa da sala, eu colava as figurinhas no álbum, enquanto minha mãe costurava do meu lado, ouvindo os programas da tarde, na Rádio Nacional. De repente, tenho a sensação de estar ouvindo a Dalva de Oliveira começando a cantar Kalu, após os últimos acordes de Os Pobres de Paris, enquanto minha mãe cantarola junto com a Dalva, sem grandes pretensão, mas com muita emoção.
Assim era a infância dos meninos do meu tempo, talvez sabendo menos do que as crianças de hoje em dia, mas, seguramente, realizando mais, muito mais mesmo. A garotada da minha época tinha o seu calendário próprio, era cheia de iniciativas e não ficava esperando que os adultos providenciassem áreas de lazer ou construíssem campos de esporte. Nós liderávamos as nossas brincadeiras e não admitíamos as interferências dos adultos.
Eu sei que hoje é diferente, as crianças estão mais politizadas, e sabem cobrar as promessas dos governantes. Mas, talvez lhes faltem aquele espírito de liderança, para escolher onde e o que desejam fazer. São os tempos, sem dúvida, os tempos mudaram. E, afinal de contas, a geração atual não teve oportunidade de viver os sonhos que eu sonhei e levar a vida que eu vivi, pois eu nasci na Era do Rádio.


7 comentários:

Flora Maria disse...

Recordar é viver !

Não conheci as balas A Hollandeza, não colecionei as figurinhas das Balas Ruth, mas conheci as Estampas Eucalol que minha mãe colecionava e guardo até hoje alguns exemplares.

E assim vamos, de retalho em retalho, tecendo a nossa história, a história de uma época onde os anos eram dourados.

Obrigada por partilhar e recordar conosco as histórias da Era do Rádio.

Beijo
Flora Maria

Gilberto Gonçalves disse...

Querida Flora !
Você não sabe o que perdeu, por não ter tido um álbum com as figurinhas das balas Ruth.Era emocionante, desembrulhar a bala, e ficar na expectativa das figurinhas enroladas. Será que vai sair uma que já tenho, ou todas! Ah, tomara que saia pelo menos uma que eu ainda não tenha !
Mostrar o álbum para um colega, e ele exclamar : Ih, você tem essa, ela é muito difícil !!! A satisfação era enorme, dava uma sensação de poder.
O inverso se dava, quando víamos que um colega tinha uma porção de figurinhas que nós não tínhamos.
Vamos trocar ? Que bom que eu tenho uma que ele está querendo. Assim, é fácil convencê-lo a me dar aquela que estou precisando para encher esta página.
E assim a gente dormia e acordava,
sonhando com o álbum cheio, e com a sensação de dever cumprido.
Um barato, minha querida !
Vamos trocar figurinhas ?
Um beijo.
Gilberto.

Fernanda disse...

Muito bom!
Parabéns pelo blog Gilberto, estou fazendo um trabalho de música da escola sobre a Era do Rádio, e com muita sorte vim parar aqui!!
Estou adorando as histórias de sua infancia, uma pena não poder ter tido uma tão marcante quanto a sua.
Mas está me ajudando muito postando nomes de músicas da época.
Obrigado e parabéns novamente!!
Não deixe de postar.

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Fernanda ! Que surpresa !
Achei que o meu blog só despertava interesse em pessoas daquela época.
De repente, me surpreendo, encontrando uma outra utilidade para estas minhas memórias - a didática.
É bom saber que as escolas estão preocupadas em relembrar o período áureo da música popular, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Hoje em dia,se faz muito pouco pela arte musical, com melodias pobres e letras paupérrimas, e falar da Era do Rádio é como dar um banho de cultura na juventude, e até mesmo nos adultos mal informados.
Agradeço-lhe pelo trabalho que está desenvolvendo, em nome de todos os que, assim como eu, viveram a magia e o encantamento da Era do Rádio.
Volte sempre, e não deixe de comentar.
Um abraço.
Gilberto.

Anônimo disse...

É mesmo bons tempos aquele,parabens !
Maravilha esta época né !
Faça assim tambem comentem
http://museudecarro.blogspot.com/
http://humorcegueiro.blogspot.com/
http://asmaisnet.blogspot.com/

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, John :
Cultivar a história é fortalecer a cidadania. Um povo que não conhece a sua história não tem raízes.
A Era do Rádio tem esse ideal, de fazer uma ponte entre o passado e o presente, para que as pessoas vejam o futuro como uma evolução, e não como uma revolução em que se destrói tudo porque é velho.
Cada época, meu caro John, tem o seu valor, a sua história, seus hábitos e costumes, e é preciso conhecer para julgar. Por isso, nós que vivemos a Era do Rádio podemos comentar com absoluto conhecimento de causa o que está acontecendo agora, e dar nossas opiniões, sobre um tempo e outro.
Bons tempos aqueles ! Mas, está nas nossas mãos fazer com que os tempos atuais também possam ser lembrados, mais tarde, como bons tempos. Só depende da gente.
Agradeço a sua visita.
Um abraço.
Gilberto.

Unknown disse...

Meu pai, Ilídio Benevenuto Costa, Diló, como apelido, era jovem na cidade de Nova Era, Minas Gerais, quando chegou na cidade, as figurinhas Balas Holandesas. Era o ano de 1039. Pois bem; ele colecionou e ganhou em uma figurinha premiada uma câmera Fotográfica. Usando seu talento e a câmera se tornou fotógrafo profissional na região do vale do Rio do Rio Doce, e fotógrafo exclusivo da Cia. Belgo Mineira. Assim ganhou a vida. escreveu com fotos a história de um povo e da siderurgia nacional. Criou uma família de 5 filhos. Hoje passados 80 anos, seus netos, criaram e produzem, em Belo Horizonte- Minas Gerais, Com uma marca moderna os Álbuns de Figurinhas Personalizados. "CaraColada", para escolas de futebol, clubes, colégios, empresas, famílias. Oferecendo uma qualidade fotográfica e excelente impressão, estão aproximando pessoas, crianças, jovens e idosos produzindo álbuns e figurinhas, criando assim uma "Rede Social Presencial". Na contra-mão da modernidade da comunicação virtual fria, oferece uma proposta retrô,que promove encontros pessoais, proporcionando novas amizades, emoções, numa alegria incontida e inesquecível, que é o ato de colecionar e trocar figurinhas. Tudo isto inspirados nos Álbuns de Figurinhas das Bala Holandesas. Nosso muito obrigado a vocês que resgatam a história e as BALAS HOLANDESAS. Wagner Diló - Filho de Ilídio. Belo Horizonte- Abril de 2019.