terça-feira, 26 de janeiro de 2010

As marchinhas estão de volta





Há poucas semanas do carnaval, os rádios da vizinhança estão ligados nas marchinhas que serão cantadas nos blocos e nos coretos.
Estava saindo de casa para espiar o movimento na rua, em busca de uma bola de borracha e de alguns fominhas que, como eu, estão sempre prontos para jogar uma pelada. Mas, o que encontrei foi uma cantoria danada, vinda de todos os lados, e nada de bola ou de pelada.
Contentei-me com as marchinhas, e sentei-me na soleira da porta, sonhando com os dias de folia que estavam para chegar.

Era um sábado, e já passavam das 3 da tarde. O Programa César de Alencar já estava no ar, e o animador anunciou o Roberto Paiva, que cantou a Marcha do Conselho, um sucesso garantido naquele carnaval de 1952. O meu colega Nilo adorava aquela música, que falava de uma provocação da mulher do melhor amigo, que mandava bilhetes todo dia. A solução era apelar para Julio Louzada, que era o grande conselheiro sentimental da época.
A tarde era modorrenta, mormacenta, meio quante, meio úmida, que convidava para coisa nenhuma. Eu decidi ficar ali, pachorrento e bocejante, ouvindo as marchinhas que vinham das casas vizinhas.
O Programa César de Alencar dominava a audiência daquele horário, mas consegui ouvir uma sonorização diferente, vinda dos nossos vizinhos da casa II. A Marlene cantava Lata dágua, em que a Maria subia o morro com uma lata dágua na cabeça e uma criança pela mão. Gostei da marchinha, e também registrei-a como futuro sucesso nos dias de folia.
A Virgiania Lane começou cantando Sassaricando, e o som vinha da casa em frente, do seu
Betinho, que era louco pelas pernas da vedete, que ele acompanhava pela televisão nos Espetáculos Tonelux. A música até parecia ter sido feita para ele, quando falava dos velhos sassaricando na porta da Colombo, já que também ele era bem velhinho.
Espera lá, o som do Programa César de Alencar voltou a ser
sintonizado pela minha mente, e quem eu ouço ? A grande Dalva, cantando Estrela do Mar, uma beleza de poesia, falando do céu e do mar, com uma rara sensibilidade. Um pequenino grão de areia que se apaixonou por uma estrela, e dessa paixão nasceu a estrela do mar. É muito lindo !
Está muito acima de tudo que se compõe hoje em dia, e já nem falo de músicas para o carnaval, pois ninguém mais se dá ao luxo de perder seu tempo compondo para os
blocos cantarem. Afinal, que blocos ?
As Escolas de Samba fizeram muito mal para o carnaval, por monopoliz
arem as atenções para os seus desfiles, com a conivência das estações de TV, acabando com o carnaval de rua. Ninguém mais, após a organização apoteótica dos desfiles das Escolas, teve coragem de colocar o seu bloco na rua, com medo de ser chamado de fora de moda, careta e outros modismos, que mais tarde assumiu a expressão americana OUT, e hoje já nem sei como se diz.
Sem blocos, as marchinhas sairam de moda. Sem marchinhas, o
carnaval também foi saindo de moda. E hoje o que existe, pode ser chamado de tudo, menos de carnaval.
Em lugar das marchinhas, os sambas enredos. No lugar dos blocos, os trios elétricos. E no lugar do carnaval, uma encenação pomposa e luxuosa. O carnavalesco saiu da rua e foi para as arquibancadas do sambódromo, e o carnaval gratuito do meio de rua, dos blocos de sujo, tornou-se um espetáculo de palco, taxado e com entradas disputadas a tapa.
As lanças-perfumes acabaram, pois o povo pegou a danada da mania de transformar tudo em vício, e a ingênua e perfumada lança Rodo virou um tóxico, um negócio para traficantes e viciados. As fantasias perderam a razão de ser, pois se não há um tema para inspirar um crioulo doido a fazer o seu samba, não se consegue mais criar uma fantasia original.
Mas, ainda bem que eu tenho a minha memória musical, e me transporto para os tempos idos de 1952, quando posso ouvir a programação radiofônica das rádios Nacional, Mayrink Veiga e Tupi, caitituando as marchinhas e fazendo tudo para que seus cantores contratados saíssem vencedores do concurso que premiava a música mais cantada nas ruas d
o Rio.
Eu fico com a Estrela do Mar, uma beleza de canção, um encanto de poesia.
Perdi a noção do tempo, enquanto divagava entre o passado e o futuro, e já está anoitecendo
, é hora de entrar.
Amanhã tem mais, pela manhã o programa saudosista do nosso vizinho da casa II, que tem a valsa Branca como sua abertura musical. Com a proximidade do carnaval, as marchinhas têm vez, e pode-se ouvir Francisco Alves, Orlando Silva, Carlos Galhardo e ou
tros cantores de renome, cantando sucessos de outros carnavais.
Desculpem-me os mais jovens, amantes das Escolas de Samba, mas o carnaval morreu, e como não foi enterrado, foi mumificado, para que tivéssemos a impressão de que ainda permanece vivo.

As marchinhas, para quem gosta, estarão sendo ressuscitadas no carnaval de São Lourenço, uma cidade mais carioca do que mineira, graças a uma iniciativa de um secretário paulista, que decidiu dar um jeito no carnaval local. Entre o trio elétrico e o bloco, ele optou pela tradição carioca, e vai botar o bloco na rua, pelo segundo ano consecutivo.
Aqui sim, na minha cidade mineira, ainda sobrevive o carnaval de rua, os blocos não tão sujos assim e as maravilhosas e inspiradoras marchinhas. Afinal de contas, sempre é tempo para a gente reviver o passado, e mesmo fora do Rio se transportar para a Era do Rádio.


10 comentários:

Helena Teixeira disse...

Olá Gilberto!
Está um frio...nem sei como em Portugal,vão desfilar...brrrr...
Olhe,a Blogagem começa amanhã e o seu texto está marcado para dia 16/02,terça de Carnaval :)

Jocas gordas
Lena

Sandra disse...

Bem se ai está frio.Aqui está um calor insuportável..

Quantas as marchinhas de carnaval, dancei muitas.
Mas hoje não, mais.

Bem eu também estou na coletiva da minha aldeia.

Por isso vim convidar para brincarmos o carnaval..Passe lá.
Estou na Coletiva da Minha aldeia, com o blog http://sandrarandrade7.blogspot.com.
Te espero no blog para conferir e brincar este carnaval.
Vou te espear por lá.
Com muito carinho
Sandra

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Lena !
Se aí está frio, e aqui onde moro está fresco, no Rio,onde morei, está um clima de deserto, com sensações térmicas superiores a 45 graus.
E é lá que acontece o mais famoso desfile das escolas de samba, com muitos dos sambistas vestidos com roupas bem quentes e pesadas. Mas, para quem gosta de carnaval, isso é festa.
Eu prefiro o meu recanto no sul de Minas, a mais de 800m de altitude, onde carnaval ainda é cultuado com muita paz e amor, e com temperaturas amenas.
Agradeço a visita, e estarei lendo os textos a serem postados.
Abraços.
Gilberto.

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Sandra :
O frio não é meu, não ! O frio é português, pertence a Lena, que fez um comentário no meu blog.
Aqui a temperatura é amena, bem distante do calor das grandes cidades, como Rio, S. Paulo e Porto Alegre, dentre outras.
Visitei o seu blog, e lá deixei uns comentários.
Agradeço a sua visita.
Volte sempre.
Um abraço.
Gilberto.

Helena Teixeira disse...

Olá Gilberto!
É verdade,li uma reportagem sobre as zonas montanhosas e frias do Brasil.Aqui o português pensa que o Brasil é so calor,mas há zonas frias e mesmo muito frias no sul,verdade? Nessa reportagem,havia fotos com chalés e neve.Fazia pensar numa Suiça brasileira :) Muito giro. Mas o que eu prefiro mesmo é o calor.Por isso,um dia,o meu sonho mesmo é o Rio :)

Jocas gordas
Lena

P.S.: Ah,lembrei,a Blogagem de Fevereiro acabou hoje.Amanhã anuncia-se os vencedores.Dia 10,começa a de Março.O tema é: Onde cresceu o meu pai. Pode participar até dia 8/03.Já sabe,basta mandar texto de 25 linhas + foto para aminhaldeia@sapo.pt

Boa semana

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Lena :
É isso aí, minha amiga. Um país que é um verdadeiro continente tem de tudo, é uma variedade que não tem mais fim, e não é só no clima, não.
Agradeço a sua visita, e as notícias sobre as blogagens de fevereiro e março.
Um abraço carinhoso.
Gilberto.

Gina disse...

Gilberto, cheguei até aqui em função do seu comentário sobre o texto da Flora, publicado no blog Aldeia da minha vida. Um comentário tão bem escrito, tão sensível, que não podia deixar de vir aqui parabenizá-lo. Agora passei a admirar o casal e o local onde moram, que, certamente, é inspirador para a escrita.
Meus pais são da Era do Rádio. Fiz um vídeo sobre a vida deles, baseado nas inúmeras fotos de que dispõem. Como minha mãe tem uma memória privilegiada, fiz uma "entrevista" com ela e pude colher histórias preciosas da época.
Nunca gostei de carnaval e meus pais não nos vestiam com fantasias, não saíamos em blocos, nem íamos à clubes. Mas cresci ouvindo as marchinhas, que tocam até hoje.
Desculpe o longo comentário, mas preciso contar algo interessante. Meu pai adorava cantar, sobretudo músicas de Vicente Celestino. Foi ao programa de calouros da Rádio Nacional, passou para a fase final. Sabendo que o próprio Vicente estaria no júri, a emoção não permitiu que se apresentasse. Foi um sonho que terminou ali.
Meu blog é de culinária e flores, mas volta e meia me aventuro a contar alguma história que fez parte da minha infância ou do meu imaginário infantil, voltado para as memórias gustativas.
Obrigada por me fazer recordar tudo isso.
Um abraço.

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Gina, eu li seus comentários na ordem inversa, de cima para baixo.
Por isso, a minha exclamação por sua presença no comentário sobre o amor.
Mas, não custa saudá-la novamente com a mesma ênfase, pois comentários sensíveis como os seus são sempre bem vindos.
Não se preocupe com o espaço que ocupar, pois este blog foi criado para recordar-se um tempo em que a gente filosofava à vontade, cantava e declamava, sem se preocupar com tempo ou espaço.
Seu pai me lembrou um personagem do filme Corações e Almas (Hearts and Souls), o título em português foi outro, em que na hora de fazer o teste para participar de uma peça musical, o cantor suava frio, pigarreava e não conseguia enfrentar a comissão julgadora.
Vicente Celestino nunca foi um dos meus cantores prediletos, mas admiro demais a emoção que ele sempŕe colocou nas suas interpretações. Ele era um homem enorme com a sensibilidade de um menino. Coisas da Era do Rádio.
Um abraço.
Gilberto.

Flora Maria disse...

Em pleno domingo de Páscoa venho falar de Carnaval !!!
Mas se tempo não existe...

Acabei de ouvir a famosa e deliciosa marchinha Meu Brotinho, com o lindinho de olhos verdes Francisco Carlos, ídolo dos anos 50. Que música encantadora, que letra romantica.
Mas hoje ela é considerada cheia de más intenções, um verdadeiro tratado de pedofilia.
Cruz, credo, que tempos tão terríveis !
Viva a era das Marchinhas !!!

Beijo, querido.

Gilberto Gonçalves disse...

Pois é, minha querida Flora, cada um tira suas conclusões de acordo com o seu nível de consciência.
Se eu tenho uma mente pura, jamais concluo maldades. Se vivo com o mal dentro da mente, não faço outra coisa senão ver maldade em tudo.
Infelizmente, estamos no auge dos tempos de transição entre a matéria e o espírito, quando as pessoas perdem seus antigos referenciais e ficam meio perdidas em busca de seus novos rumos na vida.
Antes não se podia nada, tudo era proibido. Hoje, acha-se que se pode tudo, confundindo-se o que se pode com o que se deve fazer.
Todos os homens querem um brotinho, mas não conseguem se sentir à vontade para confessar o que sentem. Então, falam de pedofilia, como se quisessem isentar-se de seus sentimentos, quando bastava reconhecer que apesar dessa atração instintiva, a sua consciência espiritual não discrimina a idade do ser amado.
A música é a manifestação lírica do que flui nos nossos sonhos, enquanto as atitudes são os fatos concretos que identificam os nossos ideais de vida.
Cantemos os brotinhos, mas amemos os nossos amores adultos e cheios de histórias em comum, que agem como raízes de nossas identidades como casais.
Muitos beijos, meu eterno brotinho em flor.
Gilberto.