O dia mal começara, e o meu coração de criança já estava a bater descompassado no portão da vila onde eu morava.
Cabeça nas nuvens e pés no chão, aguardava ansioso, que passasse o primeiro bonde, o abre alas do meu desfile carnavalesco.
Era sábado de carnaval, quando tudo começava, e nada se comparava, na cabeça de uma criança, com aqueles 4 dias de festa.
Os bondes apinhados de foliões passavam e deixavam gravados nos meus ouvidos, as marchinhas carnavalescas, que serviriam, décadas mais tarde, para me ajudar a recordar os fatos de um tempo que ficou pra trás.
"Chiquita bacana, lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica", na voz de Emilinha Borba, transporta os meus pensamentos para os idos de 1949 quando, devido à morte do meu avô, eu não saí fantasiado. A fantasia ficou guardada para o ano seguinte, e só então pude sentir-me o herói do carnaval, o mocinho do cinema, de chapéu, lenço no pescoço, camisa quadriculada e revólveres nas cartucheiras.
A minha lembrança dos velhos carnavais, porém, não começa em 49, mas 2 anos antes, em 1947 quando, nos meus tenros 3 anos de idade, registrei e deixei gravadas na memória as marchinhas Pirata da Perna de Pau, na voz de Nuno Rolande, e Odalisca, com Nélson Gonçalves.
"Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro e da cara de mau". "Vem odalisca para o meu harém". Com tais palavras, essas duas marchinhas abrem o desfile de carnaval da minha vida. Depois delas, muitas outras haveriam de servir como fundo musical, enquanto os anos se passavam, e os velhos carnavais iam, aos poucos, perdendo a magia.
Do ano seguinte, em 48, me ficou na lembrança o "Cadê Zazá?", com Carlos Galhardo, que cantava "Cadê Zazá, cadê Zazá? Saiu dizendo vou ali já volto já. Mas não voltou, por que, por que será?. Cadê Zazá, cadê Zazá?"
Naqueles tempos, as fantasias da meninada eram destaques dos desfiles na vizinhança. Índio, Aladim, Mocinho e Pirata foram minhas 4 apresentações de gala, antes de assumir os ares de garoto grande, que achava que fantasia é coisa de criança.
Ah, que saudade das lança-perfumes! Que perfume maravilhoso tomava conta das ruas! As lança-perfumes deixavam no ar odores mágicos que seduziam os sentidos e encantavam a alma. Conduzir aquele cilindro metálico dourado nas mãos e lançar o seu perfume nas costas nuas das meninas bonitas era uma ato de ousadia. E quando a menina olhava para trás e sorria, aí então o ego envaidecido tornava qualquer menino um D.Juan sedutor, um herói entre os seus pares.
Na Praça, as barraquinhas de cachorro-quente fritavam as linguiças e misturavam o cheiro das frituras ao odor das lança-perfumes. Nada parecia mais extasiante e encantador, do que sentir aquela mistura no ar, enquanto se assistia os blocos passarem. Na hora da sede, nada de refrigerante ou cerveja, a pedida era beber limonada ou groselha, que eram acondicionadas em potes de vidro arredondados e frisados, que faziam os nossos olhinhos se arregalarem.
Muito mais arregalados, porém, ficavam os nossos olhos de menino, com a aproximação dos temidos mascarados. Morcegos pavorosos, diabos demoníacos e caveiras cobertas com lençóis brancos ou pretos colocavam a meninada para correr, deixando muitas crianças desesperadas, chorando assustadas, diante daquelas mácaras pavorosas. Mas, pensando bem, esse era mais um desafio, dentre tantos outros, que faziam do carnaval uma festa diferente e desafiadora.
E dizer que eram só 4 dias, e que tudo acabava na quarta-feira! As cinzas da quarta-feira eram poeira nos olhos, de todos nós meninos que ficaríamos mais uma vez, durante todo um ano, aguardando ansiosamente, e novamente, o carnaval chegar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário