quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Sandoval Dias - Em ritmo de bolero nº 1

Sandoval Dias, um dos grandes saxofonistas da Era do Rádio, entrou na minha vida no dia 6 de março de 1948, quando se casou com tia Amélia, irmã de minha mãe. Havia poucos dias que eu completara 4 anos de idade, uma criança é verdade, mas com todos os meus neurônios de plantão, registrando, na memória, a festa do casamento, na casa do meu avô.
Naquela época, eu ainda não tinha idéia do quanto meu tio Sandoval iria deixar o seu selo musical em minha discoteca.
A minha memória me arrasta para o batizado da minha prima, quase um ano depois, quando passamos o domingo na casa do meu tio. A minha mente não se esqueceu até hoje do êxtase pro
vocado pela visão do sax dourado que tio Sandoval trazia pendurado ao pescoço.
A família pode ouvir naquele dia, em plena sala de visitas, o som suave e romântico daquele sax-tenor, que juntava notas e sentimentos, em ritmo de bolero.
O meu tio era um virtuoso em instrumentos de sopro, de uma técnica esmerada e intimista, fosse a música um clássico ou popular. Mas, poucos músicos tinham como
ele a intimidade com o som dançante, o bolero em particular.
As lembranças do meu convívio com tio Sandoval irão sendo, aos poucos, relatadas aqui, sempre em ritmo de bolero. E, ao mesmo tempo, vou divulgando o seu trabalho e a sua história, pois Sandoval Dias não recebeu da crítica, até hoje, todo o reconhecimento do seu valor, ao contrário do que acontece com os aficionados da música instrumental, que só têm palavras de elogios à sua carreira musical.
Mas, pouco, muito pouco, se encon
tra na história do rádio, a respeito da carreira e do talento musical de Sandoval Dias.
Meu tio era baiano, e como dizia o cômico Mário Tupinambá, "sô menino, baiano burro nasce morto", com ele fazendo eco, o não menos baiano, e bem mais conhecido Zé Trindade. Pois é, meu tio Sandoval também era baiano, e muito inteligent
e e talentoso. Muito jovem, foi para o Rio de Janeiro, onde decidiu aprender, com seu pai, a tocar trompete, mas logo se encantou com o sax tenor, e não o largou mais.
Não
demorou muito a se destacar no meio artístico, participando das principais orquestras do Rio, tocando em cassinos e estações de rádio. Em 1941, meu tio ingressou na Rádio Nacional, onde permaneceu por 20 anos, até que, em 1961, se transferiu para a Rádio MEC, ocupando a função de claronista, na Orquestra Sinfônica Nacional do MEC, sob a regência do Maestro Eliazar de Carvalho.
Os seus primeiros discos foram editados na época em que trabalhava na Rádio Nacional, pela gravadora Philips do Brasil, de quem foi contratado como artista exclusivo, por um período de 5 anos. Os LP´s gravados por tio Sandoval foram 14 ao todo, além de alguns discos 78 rotações, quase todos muito tocados na época, em festas e reuniões dançantes.
Todo mundo se lembra de Waldir Calmon e os seus "Feito para dançar". De Ray Conniff, então, a turma do meu tempo não conseque esquecer. Quem nas décadas de 50 e 60 não dançou ao ritmo bem marcado da orquestra de Ray Conniff ? Ninguém consegue esquecer a sua primeira dança, assim como diversas outras primeiras vezes, e, sem dúvida, a dança há de ter sido embalada por um daqueles famosos LP's S'alguma coisa...S'Wonderful, S'Marvelous, S'Nice, S'Concert, S'Hollywood, S'Music, S'Love. Que loucura, dançar ao som da orquestra de Ray Conniff !
O entusiasmo não era menor, quando a dança era embalada em ritmo de boleros por Sandoval Dias e seu Conjunto, o que, até hoje, não é esquecido pelos verdadeiros amantes da dança e do bolero, o que, no meu tempo, era quase uma redundância. Não se concebia, na Era do Rádio, um baile sem o ritmo do bolero. Os principais e mais famosos cantores cantavam boleros. As orquestras mais tocadas no rádio tocavam boleros.
Sandoval Dias foi, certamente, senão o maior executor de boleros, um dos melhores. O seu fraseado suave e
aveludado, soprado na palheta do sax, embalava os pares enamorados, ao ritmo de boleros.
A revista Radiolândia publicou, em 1958, um artigo em que Sandoval foi considerado um dos 5 "cobras" em hi-fi, ao lado de Paulo Moura, Cipó, Darci Barbosa e o pianista José Marinho. Ele tocou ao lado de Pixinguinha, fez parceria musical com Altamiro Carrilho e se apresentou com a orquestra de Zacarias, que era seu vizinho, na avenida Paris, em Bonsucesso, onde moravam na década de 50.
O músico Sandoval Dias foi não só um instrumentista de música popular, mas também um solista de música clássica. Ele solava um bolero ou um samba com raros requintes de harmonia, e com a mesma maestria atingia sonoridades perfeitas tocando um Bethoven, Mozart, Bach ou Villalobos. O seu fraseado clássico e intimista se transform
ava, muitas vezes, num toque ousado e acelerado, como em sua interpretação para Czardas, um desafio para qualquer violinista, e muito mais para a embocadura de um saxofonista.
A interpretação de
Sandoval para Czardas é antológica, e só ela seria suficiente para alçá-lo à condição de um dos maiores músicos da sua época. Czardas faz parte do LP "Um saxofone em hi-fi", na época em que hi-fi era o suprasumo da qualidade de som, a altafidelidade que todos buscavam em seus aparelhos de som.
Sandoval Dias faleceu em 1993, mas ainda hoje está vivo na memória de muitos daqueles que, como eu, nasceram
, cresceram e namoraram na Era do Rádio, sonhando e dançando em ritmo de bolero.



7 comentários:

Toque Musical disse...

Benvido ao mundo dos blogueiros e parabéns pelo seu espaço que é mesmo muito interessante. Boas recordações. Vendo tudo isso, me lembrei da minha coleção de Seleções antiga do anos 60. Depois disso vou lá no baú matar as saudades :)

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Toque Musical ...
Agradeço as boas vindas, e vindo de quem vem sinto-me muito honrado por suas palavras.
A minha intenção foi mesmo essa...recordações. E, talvez, um pouco mais, manter viva a chama de uma época e de seus contemporâneos.
Muitos valores ficam esquecidos e substituídos por blefes e pretensos modernismos, que não se comparam com a qualidade musical e radiofônica da chamada Era do Rádio.
A propósito, eu possuo a coleção de Seleções praticamente completa, desde o nº1, editado em fevereiro de 1942, até o final da década de 70. Meu pai comprava religiosamente todo mês a tradicional Seleções do Reader's Digest, como era conhecida essa publicação tradicional e muito conceituada naquela época.
Com essa sua lembrança, decidi que vou postar, qualquer dia desses, uma matéria sobre Seleções, com seus "artigos de interesse permanente", como ela se anunciava e os reclames antigos, como eram chamadas as propagandas.
Agradeço a sua visita e a sua dica inspiradora.
Um abraço
Gilberto.

dimas freitas disse...

É ate um crime a nao existencia no mercado de lp`s e cd`s de sandoval dias, porque familiares nao insistem para que isto aconteca? Gostaria muito de comprar o LP com a valsa da meia noite em ritimo de bolero.

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Argemiro :
Agradeço a visita, e gostaria que identificasse melhor a música que está procurando.
Com o título de Valsa da meia-noite, eu desconheço. Mas, se me der mais detalhes, pode ser que eu consiga ajudá-lo.
Sandoval Dias foi meu tio, e minha prima tem-me passado diversas informações sobre sua vida e obra.
Aguarde a próxima postagem, quando voltarei a falar dele.
Volte sempre.
Um abraço.
Gilberto.

dimas freitas disse...

Gilberto; Sandoval tocava a valsa da meia noite em ritimo de boleros, não me lembro muito bem da capa do disco. um abraço. Argemiro Guirlanda

Gilberto Gonçalves disse...

Eu vou continuar pesquisando, Argemiro, e se encontrar a gravação, eu faço uma postagem sobre o tema.
Agradeço o seu interese em ajudar a localizar essa interpretação entre os discos de Sandoval.
Um abraço.
Gilberto.

Thiago Tavares disse...

Oi Gilberto,

Toco na OSB clarone/clarinete adoraria saber mais dessa faceta por esses instrumentos do Sandoval e sua vida como divulgador desses instrumentos.