sábado, 13 de março de 2010

O AMOR NOS TEMPOS DE CÓCEGAS

Eis-me de volta a esse aconchegante espaço, onde deposito meus tesouros da infância e juventude.
Outro dia, estava meditando sobre as diversas formas com que se está a falar de amor, e deu-me uma incontida vontade de rir ao comparar com o que se sentia naqueles tempos idos, da Era do Rádio.
A verdade, meu fiel leitor, é que se perdeu a verdadeira essência do amor, misturou-se alhos com bugalhos, como diziam nossos avós, e ninguém mais sabe dizer o que lhe vai no peito, se é amor ou desejo, amizade ou favor.
Lembro-me ainda hoje, como o coração disparava, quando via se aproximar a garota por quem sentia a minha paixão de criança. Desde muito cedo, eu alimentei minhas paixões, calado, é verdade, mas não menos ruidosas e intensas do que são as paixões de hoje em dia.
Ainda menino, desde os meus 7 anos de idade, ou até antes, passei a dar trabalho ao coração, e não lhe dava tréguas, apaixonando-me, às vezes, por duas ou até 3 meninas, todas ao mesmo tempo.
Se eu estava na escola, era uma colega da carteira em frente, se em casa, uma vizinha do outro lado da rua, e se saía a passeio, uma turista de ocasião. O coração crescia, para poder acomodar tanta paixão, e eu a controlar as emoções, quando delas me aproximava.
Sonhava com os meus amores, e suspirava no silêncio das minhas reflexões. Ninguém percebia nada. Meus pais não podiam nem sonhar que tantas bonitinhas e engraçadinhas tomavam conta da mente daquela criança envergonhada, que não gostava de confessar seus sentimentos.
Houve momentos da minha infância, em que quase perdia a respiração, só por me sentir próximo de uma grande paixão. Mas, eu não perdia a pose, não deixava ninguém perceber o que sentia por esta ou aquela menina.
Era amor puro, não havia maldade, não havia desejo de tocar, mas de estar perto, de admirar e de esperar um olhar, um sorriso ou algo que desse a perceber que ela estava notando a minha presença.
Assim caminhou a minha vida, ao lado do coração apaixonado. Éramos amigos inseparáveis, eu e o meu coração. Não podíamos viver, um sem o outro, pois se não estivesse amando, não me sentiria vivo.
Esses sentimentos me acompanharam por toda a infância e adolescência. Mas, tudo naquela época era diferente, o amor era sentido e reconhecido como amor mesmo. E flertar era um termo ingênuo, quase imaculado, de se definir aquela intenção de dar mais um passo adiante, mesmo sem saber onde se queria chegar.
O irmão mais velho do flerte era o namoro, que ao assumir a maioridade virava noivado e com a chegada da maturidade se transformava em casamento.
Os valores mudaram, faz muito tempo que ninguém flerta mais, e nem se sabe o que isso significa. Namorar é um verbo ultrapassado, fora de moda, e ninguém mais sabe namorar, ou ter a paciência de namorar alguém.
O namoro era um procedimento formal de demonstrar sentimentos e propósitos sérios de levar adiante o relacionamento amoroso. O noivado era o ápice do namoro e o casamento era o ficar de hoje em dia.
A gente só ficava depois de casados. Hoje, fica-se, e não se namora. Engravida-se, e não se ama o pai ou a mãe do filho que está para nascer. E tudo em nome da modernidade.
Trocou-se o platonismo pelo hedonismo, e o amor ficou com um jeito meio promíscuo de ser.
Ocorreu uma aproximação tão confusa entre o desejo e o amor, que os termos passaram a ser vistos como sinônimos. A transa, termo moderno para o ato sexual, passou a ser reconhecida como fazer amor.
Os referenciais foram perdidos, e acredita-se que esse modernismo seja saudável. Alguns, em nome da liberdade sexual, defendem o direito da moça de transar com diversos rapazes, para dar vazão ao seu libido. Os rapazes não vêm muita diferença nisso, a não ser a surpreendente facilidade que sentem de extravasar os seus instintos, sem nenhuma necessidade de dar uma cantada, como se dizia antigamente.
À primeira vista, isso parece bom, por atender ambas as partes. As meninas já não precisam fingir que não sentem desejos, os garotos podem botar para fora todos os seus hormônios. E tudo sem compromissos, sem precisar ao menos saber o nome da parceira da transa.
Acabaram-se os desejos reprimidos, que tantos males causavam às moçoilas de outros tempos. Os jovens varões que precisavam buscar ajuda de profissionais do sexo, para descarregar suas energias sexuais, passaram a conseguir de graça, o que antes demandava tempo e dinheiro.
Ah, meus liberais e jovens leitores, talvez estejam indignados com esta minha visão retrógrada e reacionária de encarar o amor nos tempos de hoje. Mas, não me julguem mal, nem me vejam como um tradicional conservador, que vive taxando de imoral, tudo que se pratica com maior liberalidade, no campo do amor e do sexo.
Estou muito distante de vestir a batina do clérigo acusador que, de bíblia na mão, ameaça a todos os jovens com o inferno, por suas ações libertinas e escandalosas. Creiam-me que sempre estive muito mais próximo do pai liberal, capaz de um papo aberto com os filhos e de ver a virgindade como uma propriedade de cada moça, para fazer com ela, o que julgar mais adequado na devida ocasião.
Mas, o que lastimo é a perda do sentido romântico do ato de amar. A minha tristeza é ver que a juventude perdeu a paciência para cultivar um verdadeiro amor. A pressa tornou a intimidade uma necessidade premente, para que não se perca tempo, entre as preliminares e o principal.
O ato de amor virou uma atividade meramente física, que pode ser praticada em qualquer corpo, sem que importe qual seja a alma que habita naquele corpo.
Os amantes estão mais felizes ? Os jovens se sentem mais saciados em sua sede amorosa ?

Sinto muito, por trazer à tona, essa triste realidade do amor nos tempos de cócegas. Um amor que não vai fundo na alma, mas fica pairando na superfície, mediante carícias e apertos que, quando muito, provocam pequenas e passageiras cócegas no corpo físico, mas nem chegam perto dos sentimentos e emoções que alimentam o verdadeiro amor.
Creiam-me, jovens leitores, já houve amor com sexo e sexo com amor. Mas, cá entre nós, isso é coisa do passado, de uma época que ficou conhecida por seu exagerado romantismo, e que foi chamada de Era do Rádio.
Naquele tempo, as músicas falavam de amor, e também até mesmo de um amor repleto de insinuações e provocações, mas não se abria mão de buscar nas esquinas , e até nos cabarés, a Deusa do Afalto, a Deusa da Minha Rua ou a Mulher que ficou na taça. As amantes eram lembradas e exaltadas, não por serem objetos de desejo, mas por terem provocado grandes paixões.
Tudo já foi bem diferente. O amor penetrava fundo na alma, não era superficial como nos dias de hoje, que só provoca cócegas, e nada mais.
"O amor é uma pérola rara", cantava o Cauby. Amélia não fazia muitas exigências, e por isso era cantada e decantada como a mulher de verdade. A normalista linda não podia casar antes de se formar, e o cantor se lamentava por que o pai da moça era zangado e ele estava apaixonado...mas o remédio era esperar.
Amar é um verbo transitivo... que pede sujeito e objeto. Mas, isso já não é mais estudado no colégio, como acontecia nos meus tempos de criança, na Era do Rádio.

8 comentários:

Flora Maria disse...

Ai, amor, amor, amor...

Parece que, a cada geração, o Amor vai ficando mais vulgarizado e perdendo aquela magia e encantamento que deixavam nossos antepassados macambúzios, suspirando pelos cantos ou fazendo belíssimas canções de amor.
Enfim, vamos ver onde vai dar isso...

Beijo, meu Amor (com A maiúsculo !)

Gilberto Gonçalves disse...

Minha querida Musa :
Se o amor for medido pelo romantismo das canções de época, então, não há dúvida que estamos diante do amor mais pavoroso que já foi sentido em todos os tempos.
Imagine o amor que inspira esses raps e funks, nos quais não se sabe o que seja o pior, se as letras ou as músicas. Músicas, que músicas ?
As pessoas não suspiram mais, porque estão se desacostumando de sentir amor. Amor é sinônimo de tesão, desejo físico ou, numa visão mais deprimente, tara por alguém.
Enfim, não vamos ver no que vai dar, pois já estamos vendo no que deu.
Começar de novo, como a Malu-Mulher, é a solução. Ensinar as crianças, dando-lhes AMOR, cuidar dos adolescentes, incentivando-os a AMAR e valorizar os namoros, com o verdadeiro sentido do vocábulo "no amor".
Beijo, AMOR, com todas as letras maiúsculas.
Gilberto.

Helena Teixeira disse...

Olá Gilberto!
Um post de muita ternura.Falar de Amor é sempre emocionante.Amor é o que move o Mundo,mesmo sendo pouco,às vezes,enfraquecido,quem souber amar,souber ensinar a amar,tem a essência da vida :)

Jocas gordas
Lena

Aproveito e deixo um convite: participe na Blogagem de Abril do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com. O tema é: “Páscoa na minha Aldeia”. Basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt (+ título e link do respectivo blog) até dia 8 de Abril. Participe. Haverá boa convivência e possíveis prémios (veja mais dia 29/03 no blog da Aldeia)!

Boa Páscoa!

Gilberto Gonçalves disse...

Grato pela visita, Lena.
Agradeço suas palavras amáveis e o lembrete sobre a blogagem de abril.

Abraços.
Gilberto.

Gina disse...

Gilberto e Flora (permitam-me), que coisa linda "sentir" através das palavras de vocês o amor que há entre ambos.
Decididamente, muita coisa mudou. O romantismo é um toque tão especial num relacionamento, que a falta dele é como a ausência de sal num alimento.
Quando meus pais se conheceram, ela tinha 11 e meu pai 20. Ela uma estudante, que todos os dias passavam na frente do armazém onde meu pai trabalhava. Passados alguns meses, ele tomou coragem de pedir ao meu avô para namorar minha mãe. E a resposta dele: "Você sabe quantos anos ela tem? Ela só tem 12 anos!" E meu pai respondeu: "Não tem problema, não estou podendo casar tão cedo..."
Meu pai era um romântico, que gostava de cantar e declamar. Ficou marcado em sua vida o poema dramático de 30 estrofes, chamado História de um cão, que ele declamava. Na velhice, pouco antes de falecer, já a memória não lhe permitia repeti-la inteira e a emoção entrecortava suas palavras.
Um abraço!

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Gina :
Que bela surpresa !
Bem vinda ao Na Era do Rádio.
A história do namoro do seu pai com a sua mãe é uma relíquia, que parece sair de um livro de contos do início do século passado.
Essas reminiscências precisam ser contadas, para que os jovens de hoje em dia entendam melhor o que seja o amor.
Linda história !
Quanto à minha ligação por Flora é um outro caso de amor digno de fazer parte de uma antologia de contos românticos do princípio do século XIX,daqueles escritos por Machado de Assis, José de Alencar e outros famosos.
Volte sempre, e traga lembranças que nos transportem para esses tempos idos da Era do Rádio, como a história de amor dos seus pais.
Um abraço.
Gilberto.

orvalho do ceu disse...

Olá,
Lindo demais, acho que, sendo neta da era do rádio, amo como naquele tempo, só que hoje... por isso me sinto assim tão feliz...
Tudo que é profundo deve ser lento... o amor é como um conta gostas... é um bater forte do coração que parece que vai explodir... é sentir que vai estourar pela saudade do amado...
O mesmo lhe desejo junto à sua amada...
Abraços fraternais

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Orvalho :
É isso aí !
Esse cantinho inspira as pessoas românticas a confessar os seus sentimentos e a extravasar o que lhe vai na alma.
A minha amada que está aqui do meu lado gostou da sua saudação final.
Volte sempre.
Estarei postando sobre a Páscoa dos meus tempos de criança. Aguarde.
Um abraço.
Gilberto.