sábado, 31 de maio de 2008

Vamos trocar figurinhas ?


As figurinhas carimbadas eram difíceis de se encontrar. A gente bem que tentava, comprando 5 ou 10 balas de cada vez, o que para a época era um exagero. Mas, qual não era a nossa decepção, quando ao retirar o invólucro, víamos se repetirem algumas das figurinhas que já faziam parte do nosso álbum.


A emoção ao se encontrar uma figurinha difícil, a figura carimbada, era indescrítivel. Corria-se para casa, abria-se o álbum e colava-se aquela preciosidade no quadradinho vago, que estava à espera daquela que era uma das raridades da coleção.


As balas Ruth foram uma coqueluche, como se costumava chamar os fatos que ocupavam a atenção de muitos, durante um certo tempo. Quem não tivesse o seu álbum de figurinhas das balas Ruth não estava com nada, ninguém dava bola para o que dizia.


As balas eram vendidas nas bancas de jornais, e ninguém nem se dava conta se as balas eram gostosas para serem chupadas, o que contava mesmo eram as figurinhas que envolviam as balas. Muitos jogavam as balas no lixo, depois de desenrolar as figurinhas. Lembro-me que eu gostava da bala, mas não a compraria se não fossem as figurinhas.


Em cada bala vinham duas ou três figurinhas, já não me lembro bem.


Cada página do álbum tratava de um tema diferente, frutas, flores, esportes e por aí afora.


As figurinhas eram perseguidas pela criançada numa ansiedade que não se assemelha a nada que se possa comparar no mundo de hoje. Quando se sabia que alguém havia conseguido uma figurinha carimbada difícil, a notícia corria o bairro, e todos cobiçavam poder conquistá-la. Mas, só havia um meio de possuir aquelas raridades, seria trocando por outras raridades, ou jogando bafo-bafo, carimbadas contra carimbadas.


Quem possuísse aquela figurinha que ninguém ainda houvesse conseguido podia dar-se ao luxo de botar preço, que quase sempre superava os preços até então vigentes no mercado.


Os preços não eram cotados em moeda, apesar de existirem transações envolvendo dinheiro. O mercado de figurinhas tinha o seu câmbio regulado pelo grau de dificuldade de se obter uma ou outra determinada figura, num mecanismo tradicional inspirado pela lei da oferta e da procura. Mas, o padrão monetário era a própria figurinha, uma valia cinco, outra valia dez e daí em diante, sem limites.


Se o possuídor de uma figurinha carimbada fosse um sortudo que já tivesse tirado a mesma figurinha em duplicata, ele fixava o seu preço sempre em figurinhas, e abria a bolsa de negócios aguardando as primeiras ofertas.


Quando, porém, não se chegava a um acordo, e a cobiça sobre algumas figurinhas crescia muito, ainda que não fossem carimbadas, uma das soluções era o bafo-bafo.


De joelhos no chão, figurinhas na mão, os garotos pousavam as suas figurinhas com as imagens voltadas para baixo, e um de cada vez batia sobre os montinhos, com a mão em forma de concha, para criar um deslocamento de ar que permitisse virar as figurinhas com suas imagens para cima. Aquelas que fossem viradas passavam às mãos do autor da proeza, que cedia a sua vez ao próximo, para que tentasse um feito semelhante. Quando todas as figurinhas que tinham sido casadas fossem desviradas, começava-se uma nova rodada.


Os mais experientes saíam com os bolsos cheios de figurinhas, à semelhança do jogador que abandona a mesa do cassino repleto de fichas. Naturalmente, as carimbadas nunca faziam parte desses jogos mais descontraídos, que tinham como principal objetivo criar um fundo de reserva que pudesse ser negociado, mais tarde, com quem ainda estivesse começando a sua coleção. Para os novos colecionadores, era mais fácil investir em figurinhas abertas do que em balas fechadas. Com isto, dava para os colecionadores mais antigos conseguirem um trocado para ser investido em balas fechadas, na esperança de se conseguir, quem sabe, uma figurinha carimbada.





O bafo-bafo era, sem dúvida, uma forma de se criar um patrimônio para futuros negócios, negociando-se com quem estivesse entrando ainda inexperiente no mercado.


O sabonete Lifebuoy aproveitou a deixa e lançou um reclame, como era chamada a propaganda na época, em que os meninos ajoelhados no chão empoeirado ficavam expostos ao perigo das impurezas. E só o Lifebuoy era capaz de proteger a saúde das crianças com o seu ingrediente purificador.


Ingênuo, não é verdade ? Mas, era assim que se procurava convencer os consumidores, naqueles tempos idos, da Era do Rádio. E era assim que nos divertíamos, de forma ingênua e simples, enquanto os nossos pais davam um duro danado sem reclamar do trabalho e nossas mães cuidavam da casa, achando a coisa mais sublime do mundo.