quarta-feira, 10 de junho de 2009

Jogo de botões pela calçada

Nos meus tempos de criança, a exemplo do Ataulfo Alves, eu também brincava com jogo de botões, só que não era pelas calçadas, mas no chão de taco do meu quarto.
O meu time de botões era tratado a talco e flanela, para escorr
egar melhor, em contato com a paleta. O chão era varrido e recebia umas boas escovadelas com o escovão de encerar a casa, num tempo em que não se sonhava com a enceradeira elétrica. A bola era de cortiça, esculturada a partir de rolhas de garrafa. Se o jogo fosse à noite, havia um refletor potente, com o uso de um abajur metálico articulado, que havia sido utilitário do consultório de dentista do meu pai.

O meu principal time de botões era o Canto do Rio, já que o meu irmão caçula não abria mão de escolher os seus times preferidos, dentre eles o nosso Flamengo. Cabia a mim, os 6 clubes rejeitados por meu irmão, para a disputa do Campeonato Carioca, que na época era disputado por 12 clubes. Os meus 6 times de botão eram o Canto do Rio, que está na foto ao lado, com a bolinha de rolha à frente, o Bonsucesso, o Botafogo, o Bangu, o Olaria e o Fluminense.
A escalação do Canto do
Rio era Luciano na zaga direita, mas do zagueiro esquerdo eu não me lembro; a linha média era formada por Dodoca, Floriano e Zé Maria; e o ataque tinha o Jairo na ponta- direita, o Fernando na meia- direita, o Zequinha de centro-avante, o Amaro como o meia-esquerda, e o ponteiro esquerdo também não me veio à memória.
O Luciano era um beque acavalado
, como chamávamos quando se colava um botão sobre o outro. O outro beque, que está ao lado dele, e de quem não me recordo o nome, era feito de plástico derretido em forminha de empada. E o ponteiro esquerdo, cujo nome também não estou lembrado, era um coquinho, como se costumava chamar os que eram feitos de casca de coco.

O interessante é que os jogos eram todos irradiados, por quem estivesse na vez de paletar os seus botões. E tudo era feito aos gritos, no melhor estilo dos locutores esportivos, culminando com o famoso berro do GOL, quando a bolinha de rolha beijava a rede.
A balisa era feita no capricho, e recebia cuidados especiais, como traves bem lixadas e rede de filó. O filó fazia com que a bola fosse
amortecida no momento do gol, e permanecesse dentro da baliza, no fundo da rede. Tudo tinha que ser o mais próximo possível, do que acontecia num jogo de futebol de verdade.

Os jogadores de botão do meu tempo não admitiam balizas de plástico com rede de plástico duro, e muito menos b
olinha de plástico, que não quicava como as nossas fantásticas bolas de rolha.
A
industrialização dos times de botão e os adereços utilizados mais tarde descaracterizaram o espetáculo proporcionado por nossas partidas de botões, em tudo semelhantes a um autêntico jogo de futebol.



Alguns jogadores mais sofisticados construíam campos de madeira, as chamadas mesas de botão. Um dos meus amigos, o Tim, um rubro-negro fanático, p
ossuía a melhor mesa do bairro, onde o mando de campo era um fator determinante, para a sua invencibilidade jogando em casa.

Lembro-me que, na Copa de 50, s
ob a orientação do meu tio Adhemar, criamos diversos times de botões, representando as seleções, dentre as quais, Espanha, Uruguai, Iugoslávia, Itália e logicamente Brasil. Todos os botões tiveram os nomes dos jogadores colados, para que não tivéssemos dificuldades em reconhecê-los com seus nomes estrangeiros. Os goleiros foram emcapados com as cores das bandeiras dos países. Uma beleza !

O Campeonato Carioca era disputado anualmente, por mim e meu irmão, cada qual com os seus 6 times de botões. Havia também jogos de seleção, em que misturávamos nossos jogadores, Torneio Rio-São Paulo, quando criávamos times paulistas e distribuíamos entre nós, sendo o Guarani, o time de predileção do meu irmão, e o Juventus, o meu preferido.

E assim passávamos o nosso tempo de criança, ajoelhados no chão do quarto, marcando gols com as mãos nos botões, ou de pé, no meio da rua, fazendo os nossos gols com os pés ou de cabeça.
Com o pensamento no futebol e o ouvido grudado no rádio,
s sonhávamos com o que o Cozzi dizia estar acontecendo na cancha, como também era chamado o campo de jogo. O Cozzi era o grande locutor Oduvaldo Cozzi, que possuía um linguajar clássico, e que descrevia uma partida de futebol como um poeta, diante da sua musa inspiradora.
Em nossos jogos de botão imitávamos os nossos locutores favoritos, o meu era o Cozzi, mas outros preferiam o Jorge Curi ou o Waldyr Amaral. E assim, nos sentíamos personagens famosos da história do futebol, como treinadores de nossos botões e locutores vibrantes que descreviam as façanhas desses jogadores.

O rádio era a nossa inspiração, pois era através dele que acompanhávamos o andamento das partidas de futebol, como se lá estivéssemos pessoalmente, imaginando o que acontecia dentro do gramado. No intervalo, ouvíamos os comentaristas falare
m das táticas usadas, e tentávamos entendê-las bem, para aplicá-las em nossas equipes de botões.

Quando não eram as músicas, eram jogos de futebol que os rádios transmitiam, deixando marcas inesquecíveis que ainda trago na memória, dos meus tempos de criança. O rádio era aquele nosso companheiro fiel e inseparável, nos tempos idos, quando tivemos o privilégio de conviver com a saudosa Era do Rádio.