quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Almanaques Infantis




E por falar em fim de ano, nada melhor do que recordar o tempo em que os Almanaques eram aguardados ansiosamente por toda a meninada.
Almanaques, para quem não viveu na Era do Rádio, eram edições especiais, daquelas tradicionais revistas publicadas o ano inteiro. Quando chegava o final do ano, as Editoras caprichavam no visual, aumentavam o tamanho das revistas, davam-lhes uma capa dura, brilhante e colorida, e chamavam-nas de Almanaques.
O Almanaque da Vida Infantil era um colírio para os olhos da garotada, com as histórias ingênuas e puras
de Lourolino e Remendado, Raposino, Pituca e outros personagens que encantaram os meus tempos de menino. Essas histórias, nos Almanaques, ganhavam um colorido todo especial, com seus quadrinhos em tamanho maior e com aquela capa lustrosa e cheirosa, com cheiro de Natal.
Quem ainda se lembra de Laura Jane e Tiquinho ? Ela, uma menina comum, ele, um menino miudinho. Quando ela queria ficar do tamanho dele, jogava por sobre a cabeç
a uma areia mágica, e recitava : "Areia da grossa, areia da fina, areia me faça ficar pequenina". A revista era o Mindinho, que no final do ano também tinha o seu maravilhoso Almanaque. E nas suas páginas desfilavam o Hortelino Trocaletra sempre perseguindo o coelho Pernalonga, que comia as cenouras da sua horta, o Gaguinho, o Frajola e o Piu-piu e muitos outros que serão eternamente lembrados na memória do tempo.
Os dois mais antigos Almanaques, dos que fizeram parte da minha infância, foram o do Gibi e do Tico-Tico, este com os antológicos Reco-reco, Bolão e Azeitona. Não dá para esquecer essa turma!
Entre os Almanaques dos herois da época, não posso deixar de mencionar os dois grandes ídolos, cultuados até hoje e jamais esquecidos - o Fantasma e o Mandrake. Quem consegue esquecer da figura do Fantasma, de capa e chapéu, para esconder aq
uele uniforme colado no corpo, que ele usava na selva, junto aos seus amigos pigmeus ! E a Diana Palmer, sua eterna noiva, e o Capeto, o seu cão e fiel companheiro ! E tudo isso, num Almanaque, não com uma só história, como era comum nas revistas de meio de ano, mas com diversas e emocionantes novas histórias.
Um outro heroi inesquecível era o Mandrake, que com um gesto de mão, imobilizava os bandidos, transformava armas em buquês de flores e iludia a todos com o seu mágico poder hipnótico. Acompanhado por seu parceiro, o truculento Lotar, e tendo, a ex
emplo do Fantasma, também uma noiva, a Narda, o Almanaque do Mandrake prendia a nossa respiração e nos transportava a um encantador e inesquecível mundo de fantasias.
Lembro-me também dos mocinhos, os famosos herois do bang-bang, montados em seus cavalos velozes e dominando os bandidos pela rapidez com que sacavam suas armas. Moci
nho que se prezava, nunca matava, só atirava na arma do inimigo, fazendo-a voar longe. Ah, bons tempos aqueles, em que os atos mais violentos eram socos no queixo e tiros certeiros que desarmavam os bandidos !
Aí, Mocinho! era uma revista que desfilava os herois do faroeste das telas
de cinema da época, como Tom Mix, Tex Ritter, Roy Rogers, Gene Autry, Audie Murphy, Hopalong Cassidy, Randolph Scott e muitos, muitos mais. O Almanaque do Aí Mocinho! era uma festa, com tantas histórias numa revista só, deixando-nos a manhã inteira, sentados num canto, calados e com os olhos pregados naquelas páginas eletrizantes.
O Cavaleiro Negro era outra revista que se transformava num elegante Al
manaque, a cada final de ano. O Dr. Heron Robledo e o seu personagem vestido de negro e com uma máscara no rosto, que o transformavam no Cavaleiro Negro, eram acompanhados com uma atenção que ninguém conseguia dispensar aos seus livros de colégio.
A revista do Rocky Lane foi por mim colecionada, desde o primeiro número,
e o seu Almanaque era aguardado com grande expectativa, a cada final de ano, para se incorporar à coleção das edições mensais, cuidadosamente guardadas numa maleta de couro, que havia sido usada por meu pai, até cair em desuso.
E os Almanaques não param por aí, eram muitos e por demais atraentes, deixando a criançada toda alvoroçada, com a chegada de cada final de ano. Super-Homem, Capitão Marvel, O Gibi e outras mais faziam a nossa festa de final de ano, sem fogos coloridos nas telas da TV, sem contagens regressivas e sem TV. Nem mesmo o rádio era ligado para acompanhar a passagem do ano, afinal tudo era muito mais simples naquela época, e o relógio era suficiente para anunciar que um novo ano havia chegado.
Muito antes da meia-noite, a gurizada já estava dormindo, pois ninguém era de ferro, depois de um dia inteiro de brincadeiras, correrias e algazarras. Mas, ao lado da cama, sempre havia um companheiro fiel, que zelava pelo nosso sono e nos despertava logo cedo, no dia seguinte : o exemplar do nosso Almanaque favorito.
Como era fácil ser feliz, naqueles tempos! Como a gente se contentava com tão pouco, e que nos parecia tanto!
Eu sei que não é fácil de se entender como isso era possível, para quem vive nos dias de hoje, em meio a tanto consumismo e insatisfações com o que se tem. Mas, não era assim que a gente sentia nos tempos idos dos anos 50.
E quando os Almanaques já tivessem sido lidos e relidos, ainda existia o consolo de se ligar o rádio e acompanhar mais um capítulo das Aventuras do Anjo e as emocionantes lutas do Jerônimo, o heroi do sertão, contra o seu eterno inimigo, o Caveira. A gente se arrepiava todo,
quando ouvia aquela voz grave ordenando ao seu parceiro de crimes, o Chumbinho : "Chumbinho, apresente o seu relatório". Entrava a música anunciando o fim do capítulo, e deixando-nos ansiosos para ouvir no dia seguinte a tradicional resposta do Chumbinho :"Caveira, Jerônimo não morreu !", seguida da exclamação do Caveira : "Maldição!".
Quem passar pelo sertão, vai ouvir alguém falar do heroi desta canção que eu venho aqui cantar... E ao som da canção que exaltava os feitos do nosso heroi, terminava
mais um capítulo de Jerônimo e o seu fiel amigo, o Moleque Saci.
Era assim que os dias se passavam em nossas vidas de menino, tão repletas de atividades e tão pródigas de conquistas, pelo menos em nossas mentes de criança. Almanaques, herois, revistas em quadrinhos, e como não poderia deixar de ser, os programas radiofônicos, com nossos herois ocupando a nossa imaginação e nos ajudando a sonhar! Era assim que cada ano chegava ao fim, nos meus tempos de criança, quando vivíamos na Era do Rádio.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Nos tempos de Papai Noel

Este Natal me fez lembrar os meus Natais de criança, quando Papai Noel ainda era vivo.
A família se confraternizou e
se presenteou, reunida na sala sob a iluminação de velas, não por decoração, mas por falta de opção. A CEMIG presenteou-nos com um longo apagão, daqueles que parece não ter mais fim.
O lado bom da escuridão foi a improvisação, à luz de velas e lanterna, com direito a holofote nos embrulhos, enquanto se desembrulhavam os pacotes.
Aquela alegria em torno de cada presente, todos baratinhos e originais, causando espanto e risos, me transportaram para os Natais da minha infância.
A minha ansiedade de criança era incontrolável à e
spera de Papai Noel, mesmo não tendo a menor idéia de como ele iria entrar na minha casa, já que onde eu morava não havia chaminé. Mas, as crianças da nossa época não perdiam tempo com esses detalhes banais, que só atrapalhariam as suas imensas fantasias.
Houve um Natal em que, sem conseguir pegar no sono, pensei ter ouvido um bar
ulho na sala, e lá encontrei meus pais em atitude suspeita. Ao me verem surgir, eles me disseram que quase que eu havia encontrado Papai Noel, que tinha passado por ali, mas que iria voltar mais tarde, ou coisa parecida.
A gente aceitava todas aquelas mentirinhas inocentes, pois sabia que era mais emocionante as
sim do que sair garimpando uma verdade desnecessária, que só provocaria o fim de um majestoso sonho infantil.
Por onde Papai Noel entra na nossa casa, mamãe? Como ele sabe dos presentes que eu quero ganhar, hein, pai? A que horas que ele costuma passar? Será que eu não posso ficar esperando por ele? Essas e outras questões surgiam e eram respondidas por nossos pais, de forma bastante convincente, e sem comprometer as suas imagens junto aos filhos.

A lembrança daqueles brinquedos muito simples, mas que me provocavam uma sensação de enorme euforia, surgiu na minha mente, quando me dei conta de que a mesma reação estava ocorrendo em nós adultos, a cada novo presente que era entregue e desembrulhado. Os presentes eram simples, a maioria comprada em lojas de 1 e 99, mas todos eram muito criativos e combinavam com os gostos e perfis de cada um de nós.

Viajei no tempo, e me senti ao lado de Papai Noel, dentro do seu trenó, vendo lá do alto a casa em que nós morávamos, na rua Bonsucesso. A sensação era de que eu iria ver, a qualquer momento, meus pais colocando os presentes na sala, debaixo da janela, com o Papai Noel me dizendo que era assim que o sistema funcionava.
O Papai Noel era somente o símbolo de tudo que nossos pais representavam na celebração do Natal. Quem passava o ano inteiro ouvindo os desejos dos filhos, tentando desco
brir o presente com que cada um sonhava, eram os pais. Na noite da véspera do Natal, o Papai Noel viajava pelos céus, abençoando os presentes e deixando por conta dos pais fazê-los chegar às mãos de seus filhos.
Assim eu e Flora ensinamos aos nossos filhos, jamais fantasiando que Papai Noel e
ntraria por um canto da casa e colocaria os presentes junto da árvore iluminada. Mas, também jamais negando a sua existência, mantendo viva a tradição do bom velhinho, que se ocupa o ano inteiro de preparar os presentes que serão distribuídos no Natal. Com isso, nossos filhos, desde crianças, sempre falaram de Papai Noel, sabendo que éramos nós que representávamos aquele bom velhinho, na entrega dos presentes. E isso, sem dúvida, repercute até os dias de hoje.

Lembrei-me daquele pião metálico, todo colorido, que tinha de ser "bombeado" como se a gente enchesse um pneu de bicicleta, para que ele ficasse girando e emitindo um zunido maravilhoso e que ainda ressoa até os dias de hoje. E as pedrinhas de madeira, para montar castelos, casas e igrejas ! E o pega-varetas, o jogo de ping pong, o iô iô e o dominó, quanta emoção ! E o caleidoscópio, com aquelas figuras coloridas e mágicas, que loucura !


Mas, nada se comparou ao ano em que ganhei uma bola de couro. O cheiro daquele "courinho", como chamávamos as bolas de couro naquela época, até hoje está presente na minha memória.
Que som maravilhoso, o quicar da bola no chão ! Que sentimento de poder
, quando no dia seguinte, apareci na rua com a bola debaixo do braço ! Nem me importa, o triste fim que ela levou, cortada em pedacinhos, por uma vizinha que não gostou da reação dos meus colegas de pelada, que agiram com certa violência, quando ela ameaçou não devolver a bola que caíra na casa dela.
A tristeza da perda não foi nada, quando comparada com o deslumbramento de ter abraçado, cheirado e acariciado aquela que foi a minha primeira bola de couro... e última.

Nada se compara, nos dias de hoje, à euforia das crianças daquela época, na manhã do dia de Natal, cada uma exibindo o seu troféu. Presentes simples, mas que tinham
um significado inestimável, para quem passava o ano inteiro aguardando aquele momento de ganhar o presente da sua vida. Era assim que se pensava e sentia, diante da proximidade do Natal. A gente colocava todo o entusiasmo na lista dos presentes e ficava na expectativa da entrega de cada um deles, como uma questão de vida e morte.

As canções de Natal embalavam os nossos sonhos, antes, durante e depois da
entrega dos presentes. Na Era do Rádio, cada época do ano tinha uma programação especial, para o Natal, o Carnaval e até para a Semana Santa. As estações de rádio não tinham essas programações despersonalizadas, como o que se vê nos dias de hoje. As músicas tocadas eram de acordo com as épocas e seguiam toda uma tradição protocolar, no Natal ouvia-se músicas natalinas, no período de Carnaval, as marchas, sambas e ranchos, e na Semana Santa, as músicas eram clássicas.

A gente vivia, por isso mesmo, ao som do rádio, em ritmos diferentes, de acordo com cada época do ano. Pode parecer estranho para quem está acostumado à programação global de hoje em dia, mas era tudo muito natural para nós que vivemos a nosso infância na Era do Rádio.



quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Folguedos sem data

"Alô, alô, senhores aviadores que cruzam os céus do Brasil, aqui fala Jorge Veiga, diretamente da Rádio Nacional. Estações do interior, queiram dar os seus prefixos para guia das nossas aeronaves".
O som vinha do rádio do vizinho, sintonizado na rádio Nacional. A voz era de Jorge Veiga, que antes de qualquer apresentação, sempre recitava o mesmo refrão,
criado por Floriano Faissal, numa época em que as ondas sonoras das estações de rádio serviam para orientar os pilotos que percorriam os nossos céus mais azuis.
"Doutor de anedotas e de champanhotas, estou acontecendo no café soçaite...", a voz meio rouca do sambista tomava conta da calçada, por onde a molecada brincava, pés no ch
ão e cabeça no ar.

Havia um calendário no inconsciente coletivo da meninada que, no tempo c
erto, fazia com que todos fossem para as ruas com a brincadeira da época na cabeça, como se tudo tivesse sido combinado de véspera.
Pipa, pião, bola de gude, bafo-bafo e outras brincadeiras da moda tomavam conta das ruas por uns tempos, num rodízio constante, que parecia engendrado por uma mente articuladora dos folguedos infantis. Mas, hoje, quero falar dos folguedos sem data, daqueles que surgiam, de repente, vindos não se sabe de onde e nem por que.

Esses folguedos eram articulações meio misteriosas, dos quais somente participavam alguns iniciados, que respeitavam rigorosamente suas regras, apesar delas nunca terem sido escritas ou reveladas publicamente.
Existiam comunidades que se formavam entre os moradores de cada rua, assim co
mo grupos que se fechavam dentro dessas comunidades. A turma da rua Bonsucesso formava uma comunidade à parte da turma da Francisca Hayden e da Bias Fortes. Pareciam povos diferentes, vivendo em localidades distantes, com hábitos e costumes regionais. E, no entanto, eram ruas que se encontravam num largo, onde aconteciam as grandes peladas de domingo.
Uns, da rua Francisca Hayden, se tratavam por "coisórios", e tinham seus dialet
os próprios. Os da rua Bias Fortes eram mais fechados e bem mais ensimesmados. Os da rua Bonsucesso, onde eu morava, tinham também suas esquisitices, cultuadas, não por todos, mas por alguns grupos.
- Mandrake aí ! Com esse grito, os membros de um desses grupos se obrigavam a ficar parados onde estivessem, até que ouvissem a nova ordem: Pode sair, licença !
A licença era o salvo conduto para ficar a salvo de uma ordem semelhante à que havia obrigado os demais a permanecerem estáticos, sem se mexer. Mandrake era o mágico das histórias em quadrinhos, que hipnotizava os vilões e fazia-os ver objetos mudando de formas e ficarem assustados, permanecendo estáticos, até serem presos.
Outra dessas brincadeiras sem data, e que podia aparecer e desaparecer, sem previsão de época, era o buxuxu. Dentro do grupo, quem sentasse, e não gritasse : "Buxuxu licença!", corria o risco de levar um soco no meio da coxa, e não podia reclamar. Brincadeira meio bruta, às vezes bem violenta, mas coisas de garoto, que não têm muita explicação.
- Tato aí ! Quem estivesse comendo algum coisa teria de dar um pedaço ao que gritou. Para se preservar dessa parceria indesejável, era preciso gritar, ao ver um do grupo :"Tato, licença!". Coisas que os garotos levavam a sério, como se fizessem parte de uma fraternidade secreta, na qual todos têm os seus deveres e obediências, que não podiam ser rejeitados ou questionados.

Enquanto os folguedos sem data iam acontecendo, as brincadeiras de época se sucediam, ocupando a mente da meninada, que não tinha muito tempo para pensar besteira, além dessas besteirinhas que eram as próprias brincadeiras e folguedos da nossa época.

Bandeira, garrafão e carniça eram brincadeiras noturnas, durante o ano inteiro, sem data marcada. Essas eram brincadeiras de menino, e só para meninos, do tipo "menina não entra".
Estátua, anel e chicotinho queimado eram brincadeiras mista
s, que envolviam meninos e meninas, enquanto roda, pular corda e casamento japonês eram adoradas pelas meninas, e mal vistas pelos meninos. Coisas de homem e de mulher, que começavam bem cedo, desde os folguedos de rua e de quintal, e que afastavam os sexos para só voltar a reaproximá-los lá pela adolescência, quando a sexualidade começava a lançar suas iscas.

Era assim que acontecia naqueles tempos idos, quando vivíamos os anos 50, uma época mágica de Mandrakes e buxuxus, de pique bandeira e garrafão, e quando em qualquer terreno baldio ou meio de rua podia-se ver duas pedras marcando o gol, da pelada que ia acontecer no meio da tarde.

Na rua, a meninada, e nos lares, o rádio ligado na programação vespertina. "Alô, alô, senhores aviadores..." Era assim que, a gente brincava e se divertia muito, na Era do Rádio.