sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Nos tempos idos em que propaganda era reclame

No início da semana, respondi uma pesquisa escolar sobre os hábitos e costumes dos jovens nos anos 50 e 60.
O menino Augusto, muito maduro para a sua idade, queria saber sobre rádio, cinema, televisão e propaganda. A pesquisa era sobre uma época em que, nem
ele, nem sua professora que propôs a pesquisa, tem a mínima idéia do quanto era diferente de tudo que existe nos dias de hoje.
Aproveito as lembranças, e as transporto para este meu museu de memórias.
Naqueles tempos idos dos anos 50 e 60, a vida era mais romântica e o tempo passava bem mais lentamente.

A programação radiofônica consistia em programas de auditório, musicais ou humorísticos, noticiários e rádio-teatro. A televisão dava os seus primeiros passos, e só viria a se firmar mesmo no final dos anos 60.
Os programas de auditório, comandados por grandes nomes do rádio, como César de Alencar, César Ladeira e Manoel Barcelos, lideravam as pesquisas da é
poca. Cantores, como Emilinha, Marlene, Dalva, Ângela Maria, Carmélia Alves, Linda e Dircinha Batista, Nélson Gonçalves, Jorge Goulart, Cauby Peixoto e os ainda mais antigos, Chico Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva e Sílvio Caldas, eram os grandes nomes da música popular brasileira daqueles tempos.
Os programas de auditório arrastavam multidões ao delírio, co
nfrontando fãs clubes e criando uma rivalidade que, às vezes, resultava em conflitos entre as diversas facções.
O César de Alencar, no seu Programa de sábado, promovia a cantora Emilinha, enquanto o Manoel Barcelos tomava partido da Marlene. E no meio dessa luta pela liderança de audiência, enfrentavam-se as fanáticas e frenéticas fanzocas, que eram capazes d
e tudo para promover a sua cantora favorita.
Os programas naquela época eram patrocinados por uma única marca de produto, criando uma concorrência comercial entre os patrocinadores, que os associavam aos artistas de seus programas.
As Pastilhas Valda patrocinavam um quadro do Programa César d
e Alencar, em que aparecia a Emilinha. O refrão que anunciava o produto acabava sendo utilizado para saudar a entrada de Emilinha no palco, criando um vínculo de enorme alcance promocional para a venda daquele produto.
"Pastilhas Valda, Pastilhas Valda, Emilinha é a maior..."

Carmem Miranda usava sabonete Lever, que era " o preferido por
9 entre 10 estrelas do cinema". Dalva de Oliveira usava o Leite de Rosas. Eu já não lembro o que a Marlene e a Ângela Maria usavam, mas não fugiriam muito dos tradicionais produtos de beleza, que eram os grandes anunciantes Na Era do Rádio.

"O creme dental Colgate e o sabonete Palmolive têm o prazer de apresentar", e lá ía para o ar mais um capítulo da novela das 8.
"Cem por cento financiado pela Perfumaria Myrta Sociedade Anônima, ergue-se em qualquer ponto da cidade maravilhosa...", e tinha início mais um programa humorístico Balança mas não cai.

Durante a semana, às tardes, enquanto fazia os meus deveres de colégio, eu acompanhava a programação do rádio-teatro da Tupi e da Nacional, que fazia parte da rotina semanal de minha mãe. Eu sempre tive uma surpreendente capacidade de processar na mente, ao mesmo tempo, duas, três ou mais informações, sem que uma interferisse na outra.
E era isso que acontecia, enquanto meu lápis percorria as folhas do caderno, a minha mente prestava atenção aos dramas relatados no rádio e, se fosse preciso, ainda pensava no que fazer mais tarde ou no dia seguinte.
Dentro da minha mente, tudo ía ocupando o seu devido lugar. O resultado de um problema, aqui, o diálogo romântico ou trágico, ali. E, mais adiante, o agendamento do final de semana, ou a programação de um cinema no dia seguinte.
Teatro das 4 e Presídio de Mulheres eram programas diários, que contavam histórias cheias de dramaticidade, sobre o cotidiano da vida familiar ou de um presídio feminino.

Antes disso, minha mãe gostava dos programas musicais do Manoel Barcelos e do César Ladeira. E eram imperdíveis os programas do casal Yara Sales e Heber de Boscoli, "Trem da Alegria" e "A Felicidade bate à sua porta".
Todos eles com seus anunciantes próprios, que associavam a marca ao programa.

Naquele tempo, propaganda era chamada de reclame. Assim, er
a comum que o apresentador, ele mesmo ou através de um jingle musical, fizesse o reclame da firma ou do produto que patrocinava o programa.

Existia um reclame que ficou famoso nos bo
ndes da época, e que anunciavam " Veja, ilustre passageiro, o belo tipo fagueiro, que o senhor tem ao seu lado. Mas, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Cresostado". Era impossível não decorar esse versinho, pois em todo bonde que se viajasse, lá estava aquela placa na nossa frente. Eu nunca tomei o Rhum Creosotado, talvez por seu teor alcóolico, que certamente era forte demais para uma criança, mas jamais me esqueci de suas propriedades na cura das doenças pulmonares.

Os reclames eram todos muito ingênuos, se comparados com a sofisticação de hoje em dia. Os produtos anunciados em revistas eram os mesmos ouvidos nas rádios. A principal revista da época, onde se podia encontrar todos os principais lançamentos e novidades, era a Seleções de Readers Digest, uma publicação americana, que fez um sucesso enorme entre nós, na época da guerra e no período de pós-guerra.

A ingenuidade, porém, tornavam-nos muito mai
s objetivos e fáceis de serem entendidos, bem diferente dos anúncios modernos. Hoje em dia, o marketing sofisticado cria uma sucessão de imagens em alta velocidade, e tenta associá-las a um produto ou marca, o que , nem sempre, é bem compreendido pelo observador. Mas, o que importa mesmo é promover a Agência que produziu a peça artística, ficando o anunciante com os méritos de ter contratado uma empresa conceituada, que já ganhou uma porção de prêmios.

Antigamente, na Era do Rádio, os reclames tentavam de modo muito direto vender marcas ou produtos. Nos tempos modernos, as Agências de Publicidade procuram valorizar os seus anunciantes com peças publicitárias de imenso conteúdo criativo e valor artístico, mesmo que com isso provoque um verdadeiro quebra-cabeças, para que se descubra de que produto está falando.

As empresas da Era do Rádio, talvez tenham ganho tanto dinheiro com seus produtos, promovidos por aqueles ingênuos reclames, que puderam dar-se ao luxo de pagar as Agências para complicarem bastante a mensagem, enquanto tentam fazer o seu cinema de arte.

Ou, quem sabe, se os reclames, naqueles tempos idos, eram mais ingênuos, porque os seus criadores também eram pessoas mais simples e os consumidores adoravam usar produtos que eles entendessem bem para que serviam.
Era assim que a gente vivia na Era do Rádio. Quem quisesse consumir
arte, ouvia o rádio. Quem quisesse consumir um produto, prestava atenção no reclame, e ponto final.
Tudo era mais simples, mais direto,
mais às claras...na Era do Rádio.