quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

SANDOVAL DIAS - UM SAX DEPOIS DA VIDA







Meus caros leitores, o título acima poderia ser o de um próximo disco do grande saxofonista Sandoval Dias, mas não passa de um desejo que me dou o direito de expressar, após me corresponder com um músico da nova geração – o Pedro Paes.

Desde que me decidi a reinventar a carreira musical do meu tio Sandoval, dando-lhe um destaque que a mídia negou-se a fazê-lo, aguardei um sinal de que as razões, que me tinham motivado a seguir este caminho, eram justas e legítimas.

Coloquei alguns textos no Na Era do Rádio, mesclando a vida profissional com o cotidiano familiar que, por uma boa fase da minha infância e juventude, me permitiram conviver mais intimamente com esse que foi meu tio e um músico de grande estilo.

O aguardado sinal, enfim, parece haver chegado através de um músico de 34 anos, chamado Pedro Paes, professor da Escola Portátil de Música, um projeto patrocinado pela Petrobrás, e que já tem 10 anos de existência.

O Pedro me escreveu, após ler alguns dos meus textos, e se mostrou um grande admirador do talento musical do meu tio, e desejoso de ter acesso ao acervo musical da sua obra.

O Pedro é clarinetista, saxofonista e arranjador há cerca de 10 anos, exercendo a função de professor de clarinete e improvisação na linguagem de choro na Escola Portátil de Música - EPM – www.escolaportatil.com.br.

Qual não foi a minha surpresa ao ser informado que a obra de Sandoval Dias despertava um enorme interesse nesse professor, que desejava utilizá-la como material didático para os seus alunos.

O Pedro Paes era não só um músico e professor, mas um admirador da técnica do meu tio Sandoval, que ele considerava um dos grandes instrumentistas brasileiros, um dos mestres saxofonistas da Era do Rádio.

Atualmente, já se encontra em poder do Pedro, senão toda, a maior parte das obras gravadas por Sandoval Dias, que serão transformadas em peças do acervo da Escola, para serem difundidas junto a entidades musicais de todo o país.

E qual não foi a minha ainda maior satisfação, quando soube que a EPM fora criada por iniciativa, dentre outros de dois parentes do Altamiro Carrilho, um sobrinho e o próprio irmão Álvaro. E por que toda essa satisfação? Altamiro tocou com meu tio Sandoval, eles foram contemporâneos na época do conjunto Os Boêmios e no período áureo da Rádio Nacional.

Agora, recebo mais uma mensagem do Pedro Paes, depois de ter recebido a obra musical do meu tio das mãos de minha prima, confessando estar sendo uma verdadeira aventura seguir os passos de Sandoval, ouvindo cada disco e cada música com os ouvidos de um estudioso e profundo conhecedor do saxofone.

Com o seu apurado ouvido artístico, o Pedro enaltece a execução da música “Saxofone Tinhoso”, que ocupa uma das faixas do LP “Um sax depois da meia-noite”. Na opinião dele, trata-se de um dos choros mais difíceis de ser executado, e que recebeu um tratamento impecável da parte de Sandoval Dias, a mais perfeita interpretação que ele já ouviu de um sax-tenor.

Deixo registrado este depoimento do Pedro Paes, um músico, saxofonista e professor, por sua isenção e competência, e por se tratar da confirmação do muito que se dizia sobre a altíssima qualidade da arte de Sandoval, entre seus colegas de conjuntos e orquestras, mas que nunca chegou ao reconhecimento popular.

Se tivesse tocado em grandes orquestras norte-americanas, Sandoval seria saudado como um dos grandes saxofonistas da sua época. Naquele tempo, porém, o artista brasileiro mal era conhecido lá fora, e quando um ou outro, como Carmen Miranda, conseguia romper essas barreiras, tinha de se submeter às imposições locais, interpretando ritmos exóticos à nossa cultura.

Sandoval era músico brasileiro, e queria poder escolher o seu repertório, sem ter de se submeter às influências estrangeiras, e por isso sofria pressões das produtoras e dos próprios colegas. A musicalidade de seus discos era voltada para as nossas tradições, incorporando inclusive ritmos de países vizinhos, como bolero, tango e chá-chá-chá, que eram admirados pelo nosso povo, e dançados junto com sambas, choros e samba-canções.

Existem momentos em que somos inspirados a tomar certas atitudes, numa intenção de reparar erros e injustiças. Quando resolvi assumir essa empreitada, em defesa da obra do meu tio Sandoval, não imaginei poder ir tão longe, como o meu novo amigo, Pedro Paes, me sinaliza, ao levar o acervo de sua obra para escolas e para centros artísticos.

Espero que estejamos iniciando a reparação de uma injustiça, que poderá dar muitos dividendos à música instrumental brasileira. Se eu tive o mérito de dar o passo inicial, há de ser o Pedro Paes o incumbido de levar esse meu intento adiante.

Aqueles que, no futuro, tiverem a oportunidade de ouvir alguns dos discos de Sandoval Dias hão de sentir um pouco do sabor que a geração do meu tempo sentia, quando ia a um baile e dançava em ritmo de bolero, naquela que foi a Era do Rádio.