quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

SANDOVAL DIAS - UM SAX DEPOIS DA VIDA







Meus caros leitores, o título acima poderia ser o de um próximo disco do grande saxofonista Sandoval Dias, mas não passa de um desejo que me dou o direito de expressar, após me corresponder com um músico da nova geração – o Pedro Paes.

Desde que me decidi a reinventar a carreira musical do meu tio Sandoval, dando-lhe um destaque que a mídia negou-se a fazê-lo, aguardei um sinal de que as razões, que me tinham motivado a seguir este caminho, eram justas e legítimas.

Coloquei alguns textos no Na Era do Rádio, mesclando a vida profissional com o cotidiano familiar que, por uma boa fase da minha infância e juventude, me permitiram conviver mais intimamente com esse que foi meu tio e um músico de grande estilo.

O aguardado sinal, enfim, parece haver chegado através de um músico de 34 anos, chamado Pedro Paes, professor da Escola Portátil de Música, um projeto patrocinado pela Petrobrás, e que já tem 10 anos de existência.

O Pedro me escreveu, após ler alguns dos meus textos, e se mostrou um grande admirador do talento musical do meu tio, e desejoso de ter acesso ao acervo musical da sua obra.

O Pedro é clarinetista, saxofonista e arranjador há cerca de 10 anos, exercendo a função de professor de clarinete e improvisação na linguagem de choro na Escola Portátil de Música - EPM – www.escolaportatil.com.br.

Qual não foi a minha surpresa ao ser informado que a obra de Sandoval Dias despertava um enorme interesse nesse professor, que desejava utilizá-la como material didático para os seus alunos.

O Pedro Paes era não só um músico e professor, mas um admirador da técnica do meu tio Sandoval, que ele considerava um dos grandes instrumentistas brasileiros, um dos mestres saxofonistas da Era do Rádio.

Atualmente, já se encontra em poder do Pedro, senão toda, a maior parte das obras gravadas por Sandoval Dias, que serão transformadas em peças do acervo da Escola, para serem difundidas junto a entidades musicais de todo o país.

E qual não foi a minha ainda maior satisfação, quando soube que a EPM fora criada por iniciativa, dentre outros de dois parentes do Altamiro Carrilho, um sobrinho e o próprio irmão Álvaro. E por que toda essa satisfação? Altamiro tocou com meu tio Sandoval, eles foram contemporâneos na época do conjunto Os Boêmios e no período áureo da Rádio Nacional.

Agora, recebo mais uma mensagem do Pedro Paes, depois de ter recebido a obra musical do meu tio das mãos de minha prima, confessando estar sendo uma verdadeira aventura seguir os passos de Sandoval, ouvindo cada disco e cada música com os ouvidos de um estudioso e profundo conhecedor do saxofone.

Com o seu apurado ouvido artístico, o Pedro enaltece a execução da música “Saxofone Tinhoso”, que ocupa uma das faixas do LP “Um sax depois da meia-noite”. Na opinião dele, trata-se de um dos choros mais difíceis de ser executado, e que recebeu um tratamento impecável da parte de Sandoval Dias, a mais perfeita interpretação que ele já ouviu de um sax-tenor.

Deixo registrado este depoimento do Pedro Paes, um músico, saxofonista e professor, por sua isenção e competência, e por se tratar da confirmação do muito que se dizia sobre a altíssima qualidade da arte de Sandoval, entre seus colegas de conjuntos e orquestras, mas que nunca chegou ao reconhecimento popular.

Se tivesse tocado em grandes orquestras norte-americanas, Sandoval seria saudado como um dos grandes saxofonistas da sua época. Naquele tempo, porém, o artista brasileiro mal era conhecido lá fora, e quando um ou outro, como Carmen Miranda, conseguia romper essas barreiras, tinha de se submeter às imposições locais, interpretando ritmos exóticos à nossa cultura.

Sandoval era músico brasileiro, e queria poder escolher o seu repertório, sem ter de se submeter às influências estrangeiras, e por isso sofria pressões das produtoras e dos próprios colegas. A musicalidade de seus discos era voltada para as nossas tradições, incorporando inclusive ritmos de países vizinhos, como bolero, tango e chá-chá-chá, que eram admirados pelo nosso povo, e dançados junto com sambas, choros e samba-canções.

Existem momentos em que somos inspirados a tomar certas atitudes, numa intenção de reparar erros e injustiças. Quando resolvi assumir essa empreitada, em defesa da obra do meu tio Sandoval, não imaginei poder ir tão longe, como o meu novo amigo, Pedro Paes, me sinaliza, ao levar o acervo de sua obra para escolas e para centros artísticos.

Espero que estejamos iniciando a reparação de uma injustiça, que poderá dar muitos dividendos à música instrumental brasileira. Se eu tive o mérito de dar o passo inicial, há de ser o Pedro Paes o incumbido de levar esse meu intento adiante.

Aqueles que, no futuro, tiverem a oportunidade de ouvir alguns dos discos de Sandoval Dias hão de sentir um pouco do sabor que a geração do meu tempo sentia, quando ia a um baile e dançava em ritmo de bolero, naquela que foi a Era do Rádio.

sábado, 20 de novembro de 2010

ERA UMA VEZ UM FLAMENGO

Meus nostálgicos leitores, aproveitando a sugestão de um novo amigo, o Franklin, lá da Bahia, regressei no tempo para falar dos locutores esportivos da Era do Rádio.
É verdade que não só de locutores irei tratar nesta minha incursão pelos tempos idos, pois decidi pegar uma carona no papelão que o Flamengo tem feito, para lembrar uma fase áurea do rubro-negro.
Viajo no tempo, e desembarco no dia 16 de novembro de 1955, quando sozinho no quarto da bagunça, na minha casa em Bonsucesso, eu ouvia uma partida do campeonato carioca de basquete. Jogavam Flamengo e Sírio Libanês, e o jogo se aproximava do final com o Sírio vencendo por uma diferença de um ponto. O jogo seria decisivo para a conquista de mais um título pelo Flamengo.
Na época, o Flamengo era absoluto no basquete masculino, apesar de existirem outras grandes equipes no Rio de Janeiro, como Fluminense, Vasco e Grajaú, entre tantas outras mais.
O time de basquete rubro-negro era formado de jogadores de alto nível, como o inesquecível Algodão, e os craques Alfredo, Godinho, Gedeão, Mario Hermes, Guguta e uma extensa relação de nomes.
O presidente do clube, Gilberto Cardoso, o maior administrador que o Flamengo já teve, assistia o desenrolar da partida, angustiado com a possibilidade da perda do jogo e do título.
O cronômetro se aproximava do fim do tempo regulamentar, como os locutores da época costumavam dizer, faltavam 10 segundos, 9, 8, 7, 6, e a bola chega às mãos de Guguta, na cabeça do garrafão. Guguta alça os braços e lança a bola em direção à cesta. Os 5 segundos faltantes viraram 4, 3, 2, 1 e cesta do Flamengo. O Flamengo vence o jogo por uma diferença de um ponto, e vem a se sagrar campeão.
O presidente Gilberto Cardoso não se sentiu bem, pouco antes do final da partida, pegou o carro e, quando percebeu que não dava para continuar dirigindo, pegou um taxi. Antes de chegar ao hospital, o coração não mais resistiu, e talvez sem saber que o seu Flamengo havia vencido, ele deixou o cargo e esta vida para sempre.
Os jogadores de futebol, que já eram bicampeões, com os títulos conquistados em 53 e 54, assumiram um compromisso de homenagear o seu presidente com o tricampeonato. Naquele tempo, meus desinformados leitores, o presidente era um torcedor das cores do seu clube, e lutava pelas conquistas de títulos em todos os esportes.
Gilberto Cardoso assumiu o clube em 1951 e fez do Flamengo o mais respeitado de todos os clubes cariocas, em todas as modalidades. Ele contratou os dois maiores treinadores da história do Flamengo, um para o futebol, o paraguaio Fleitas Solich, e outro para o basquete, Togo Renan Soares, o Kanela.
Os campeonatos se sucediam e os títulos iam sendo conquistados. No atletismo, no remo e no voleibol, o Flamengo também estava entre os melhores.
O campeonato de futebol de 1955 chegou ao final com Flamengo e América empatados na liderança. A decisão seria conhecida depois de uma melhor de três, que começou com uma vitória do Flamengo por 1x0. O time do América entrou mordido no segundo jogo e goleou por 5x1, levando a decisão para um terceiro jogo, que foi realizado no dia 4 de abril de 1956.
Meus jovens rubro-negros, os tempos eram outros, o treinador do Flamengo, o paraguaio Fleitas Solich, era um maestro, ou feiticeiro como a imprensa o tratava, e ele preparou o feitiço dele, tão logo percebeu que precisava melhorar a altura da sua defesa e a movimentação do seu ataque, para evitar uma nova derrota.
Solich não pensou duas vezes, lançou Servilho na defesa e Dida no ataque. Os dois times eram verdadeiras seleções, quando comparados com os timecos que representam clubes afamados no dias de hoje. Chamorro, Tomires e Pavão; Servilho, Dequinha e Jordan; Joel, Duca, Evaristo, Dida e Zagalo eram os craques do Flamengo. Enquanto o time do América, com um plantel de primeira grandeza tinha no gol o goleiro Pompéia, que era o rei das pontes voadoras, na zaga Rubens e Edson; na linha média Ivan, Osvaldinho e Hélio e no ataque Canário, Romeiro, Leônidas, Alarcon e Ferreira.
Era um clássico para ninguém botar defeito. E no apito, nada mais nada menos do que Mário Vianna, com dois enes, como ele fazia questão de enfatizar.
Ah, agora outro craque, não da bola, mas do microfone – Oduvaldo Cozzi. A rádio era a Continental, uma emissora inteiramente dedicada ao esporte, e líder em audiência, quando se tratava de uma transmissão esportiva.
Oduvaldo Cozzi era uma figura acadêmica, no meio da classe jornalística envolvida com o esporte. Ele parecia mais um personagem clássico de um drama shakespeariano, do que um locutor esportivo. As palavras saíam dos seus lábios, emolduradas em rara beleza e que se tinham algo a ver com o que se passava em campo, ficava por conta da sua habilidade de interpretar as palavras com a sutil malícia de quem sabe o que está fazendo.
A transmissão era aberta com alusões à beleza do céu, à brisa que acariciava a relva verde do gramado e balançava com suaves carícias as redes que aguardavam as bolas que seriam comemoradas aos gritos de GOL.
Cozzi era uma enciclopédia literária, e não abria mão de fazer chegar aos seus ouvintes toda a magia e encantamento das imagens criadas a partir do que ele via no campo de jogo. Os seus repórteres tinham de manter aquele quadro vivo de rara beleza, sem maculá-lo com palavras ou interrupções inconvenientes.
Quem trabalhava com o Cozzi, naquela época, como seu assistente, era o depois afamado locutor esportivo Waldir Amaral. É daquele tempo o famoso jargão – “Fala Waldir...”.
Calma, meu impaciente leitor, que logo retornarei à decisão do campeonato carioca de 55.
O jogo foi noturno, no meio de semana, e o palco não poderia ter sido outro senão o nosso querido e tradicional Maracanã.
A bola rolou pela cancha gramada, e num rodopio Dequinha tocou para Joel que partiu para o ataque. O Flamengo não estava disposto a perder tempo. E dentro desse espírito combativo e apressado, Tomires, um zagueiro que não perdia a viagem, entrou forte no Alarcon, e deixou o time do América com menos um em campo.
Lembrem-se, meus leitores, que naquele tempo não havia a regra três, que passou a permitir a substituição de jogadores machucados, cansados ou que não estejam dando conta do recado. Se um atleta se machucasse, o seu time ficaria com menos um, e se esse contundido fosse o goleiro, um jogador de linha vestia a camisa de goleiro e ia para baixo dos paus.
Com menos um, o América não suportou a fúria do rolo compressor da Gávea, comandado pelo jovem alagoano Dida, numa noite de rara inspiração, marcando os quatro gols rubro-negros.
Cozzi exaltava a magia que saía dos pés de Dida, como se ele fosse o verdadeiro feitiço das obras mágicas do feiticeiro Solich. Naquela noite, ninguém conseguia marcar o Dida, e os gols foram sucedendo-se na narração compassada e puxada nos erres do Cozzi.
Joel domina a bola e chuta em gol, a bola bate na trave e volta para Duca que emenda e a bola, tocando no Dida, e enganando o goleiro Pompéia, vai beijar mansamente o fundo da rede – Flamengo 1x0.
Dequinha, no seu estilo clássico, toca a bola em direção a Dida que de cabeça aninha a bola no fundo da rede – Flamengo 2x0.
O time do América marcou o seu gol e começou a ameaçar, mas, de repente, numa virada certeira com a perna esquerda, Dida marca o seu terceiro gol – Flamengo 3x1.
E antes que o jogo chegasse ao fim, o zagueiro Pavão manda uma bomba para frente que encobriu o goleiro Pompéia e se chocou com a trave. Evaristo pega o rebote, e se prepara para marcar, quando surge o Dida, e roubando a bola do companheiro toca no canto e dá os números finais à partida – Flamengo tricampeão 4x1 América.


A grandeza das transmissões esportivas estava no fato de que os ouvintes viam o jogo através dos olhos e das palavras dos locutores. E nesse particular, Oduvaldo Cozzi foi um precursor da transmissão clássica, do uso perfeito do vernáculo e das imagens líricas que enfeitavam todo o seu discurso narrativo, mas em especial a abertura das jornadas esportivas.


Cozzi teve no discípulo Waldir Amaral o seu fiel seguidor, que tanto quanto o mestre exerceu a liderança, por algumas décadas, do cenário radio - esportivo carioca. Jorge Cury chegou a ameaçar essa liderança, mas o sábio Waldir tratou de dividir com ele o espaço da Rádio Globo, antes que a concorrência pusesse em risco a sua posição de liderança. Cada um irradiava meio-tempo do jogo, e não se falava mais nisso.
Aquele era um tempo de magia e de feitiçaria. A magia ficava por conta dos gênios da locução esportiva e a feitiçaria era obra do feiticeiro Fleitas Solich, o maior estrategista que o futebol carioca já conheceu.
Era também um tempo de diretores sérios e dedicados à administração dos clubes do seu coração, como Gilberto Cardoso. E, por fim, eu diria aos mais jovens torcedores rubro-negros que, jogadores como Dequinha, Jordan, Joel, Rubens, Índio, Benitez, Evaristo e o goleador Dida, não serão jamais esquecidos por quem acompanhava e torcia por seu time, junto a um aparelho radiofônico, naquela que foi conhecida como a Era do Rádio.


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

NUM TEMPO EM QUE MÚSICA TINHA MELODIA


Estava sentado ao pé do meu computador, olhando pela janela a pensar na vida, eis que me surge na mente a idéia de falar de música, da música da era do rádio.

Perdoem-me os leitores mais jovens, mas a qualidade das composições musicais tem evoluído através do tempo no sentido inverso ao do progresso tecnológico. Quanto mais a tecnologia evolui, maior é a decadência musical.

Estava deixando meus pensamentos vagarem da mente para a bela paisagem emoldurada pela janela, quando recordei a voz do Lúcio Alves acompanhado por Dick Farney ao piano, cantando A saudade mata gente.

Meus românticos leitores, eu lhes convido a clicar AQUI, e ouvi-la, sem conversar, sem se mexer. Ah, poucos possuíam a suavidade na voz, como Lúcio Alves!

“Fiz meu rancho na beira do rio...” O início é triunfal, mas “meu amor foi comigo morar” é antológico, divino, inigualável. Depois vem a romântica interpretação de Dick Farney, e no final os dois fazem um dueto que nos leva a querer repetir a música sem parar.

Lúcio Alves possuía uma das mais belas vozes do rádio e uma interpretação envolta num clima romântico, que levava a moçada da época a suspirar a cada nova interpretação.

Havia grandes intérpretes naqueles tempos idos em que as músicas tinham uma linha melódica e as letras eram poesia pura. O Lúcio era um caso à parte. A impressão é que ele tinha uma magia na voz que não parecia coisa de gente, era um som meio angelical, que devia vir direto do céu.

Aos meus amigos portugueses, não os mais jovens, mas os que curtiram os fados da Amália Rodrigues, eu os parabenizo, por terem a seu crédito, haver participado de uma era do rádio da qual fez parte uma das mais fabulosas intérpretes da música popular.

Amália não foi uma cantora de fado, ela era simplesmente Amália. A guitarra de Carlos Gonçalves dava o tom e Amália botava o coração na voz. Era a Amália e as outras, as outras eram as outras.

Lisboa, Coimbra, A Severa, Casa Portuguesa, Lágrima e o Barco Negro são algumas das melodias que na voz de Amália se eternizaram. E atravessaram os mares, e encantaram a todos nós, que de ouvidos colados no rádio saboreávamos no Brasil os seus sucessos na Era do Rádio.

“Rua do Capelão, juncada de rosmaninho. Se o meu amor vier cedinho, eu beijo as pedras do chão que ele pisar no caminho”. E isso cantado com uma emoção que vinha do fundo da alma.

“Viver abraçado ao fado, morrer abraçada a ti”. E este epílogo trágico, ou quase. Lindo, simplesmente lindo!

Aqueles eram outros tempos, meu assíduo leitor, eu bem o reconheço, e não os quero de volta, pois me dou por satisfeito com a vida que levo. Mas, e as músicas, o que fizeram com as músicas?


E os cantores, por onde andam as belas vozes e os intérpretes românticos? Gritos, urros ou declamações chatas e feias são os dons dos intérpretes modernos. Que decadência musical!

Se um desses cantores moderninhos fosse cantar essas coisas horrorosas rotuladas de músicas, num Programa César de Alencar ou Manoel Barcelos, seria posto para fora do palco pela platéia enfurecida.

O rádio era um veículo sério, que só veiculava programas de qualidade. Programas de auditório, humorísticos, teatros ou noticiários tinham um padrão de qualidade, que, me desculpem os artistas contemporâneos, não se encontra mais nos dias de hoje.

Os jornais concorriam por oferecer um furo de reportagem. Os jornais de hoje, liderados por Globo, Estadão e Folha, só nos dão reportagens furadas.

Na Era do Rádio, Correio da Manhã, Diário de Notícias, O Jornal e depois o Jornal do Brasil lutavam nas bancas, por leitores seletos que sabiam o que queriam. Hoje, ninguém sabe o que quer, e os jornais atuais também não sabem o que dizer. Ou melhor, sabem, mas era melhor que ficassem calados.

As revistas O Cruzeiro e Manchete que competição aguerrida, em alto nível, cada uma buscando um melhor ângulo para expor as fotografias dos fatos ocorridos no mês! O Jornal das Moças mostrando a moda da época, com vestidos que se podia reconhecer nas moças transitando pelas ruas. Hoje, quem é capaz de vestir um desses vestidos, exibidos por mocinhas magrinhas em desfiles de moda, e sair a perambular pelas ruas da cidade?

Dedico esta minha reflexão aos valores artísticos do passado, que por lá ficaram e aqui não chegaram. Lamento que a atual boa música, salvo raras exceções, não passe de uma série de composições sofríveis, e nada mais. E as más músicas são horrorosas e de um mau gosto que não dá para descrever.

As minhas desculpas, moços e moçoilas, que não conheceram a voz de Lúcio Alves e que julgam a Amália Rodrigues uma peça de museu, mas a mocidade perdeu o contato com as jóias musicais. É o mesmo que falar de futebol, sem nunca ter visto o Pelé jogar. Não dá para imaginar o bom, se os parâmetros são medíocres.

Eu vou ficando por aqui. Vou pedir a Flora para tocar de novo A saudade mata a gente, que está num link do blog dela, Flora da Serra. Quem quiser me acompanhar, fique à vontade, é só clicar no mesmo link que coloquei lá em cima.

O pensamento é livre, e nos leva para onde quisermos, como uma máquina do tempo. Eu estou viajando a todo vapor para e Era do Rádio. Senhores passageiros, tomem os seus assentos, e boa viagem. Estou até ouvindo a voz de Jorge Veiga: “Alô, alô, senhores aviadores que cruzam o céu do Brasil, aqui fala Jorge Veiga, diretamente da Rádio Nacional, estações do interior queiram dar seus prefixos para guia das nossas aeronaves”.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

74 ANOS DE RÁDIO NACIONAL

Meus nostálgicos e cultos leitores:
Ontem, dia 12 de setembro, a nossa Rádio Nacional do Rio de Janeiro completou 74 anos de existência.
A Rádio Nacional foi pioneira em diversas áreas, como no radiojornalismo, nas novelas radiofônicas e nos programas humorísticos.
Quem dentre nós, que vivemos na Era do Rádio, poderia esquecer aquela escalada sonora que anunciava a entrada no ar de mais uma audição do Seu Repórter Esso, "o porta-voz ocular da história". A voz impostada de Heron Domingues, invadia o nosso lar causando palpitações em nosso peito, por temermos desgraças, guerras e mortes, que sempre eram anunciadas logo na abertura do noticiário.
"Rio - a jovem Aida Curi, moça da sociedade carioca, morreu ao despencar do alto de um prédio em Copacabana. Suspeita-se que ela tenha sido atirada..." Washington - o Presidente Roosevelt acaba de anunciar um plano de ajuda econômica aos países aliados para o período de pós-guerra..."
A mente infantil, daquele jovem que era eu, mal se dava conta de que estava sendo apresentado ao mundo de violências e de artimanhas políticas, com o qual teria de conviver por toda a minha vida.
A vida era bela, pois nem só de noticiários vivia a nosssa Rádio Nacional. Haviam os programas humorísticos, que distraíam a minha mente de menino. Às sextas, ao pé do rádio, lá estava eu e toda a família, aguardando o ansiosamente esperado Balança mas não cai. Era meia-hora de risos e encantamentos com piadas puras e ingênuas que falavam de política, de futebol e até de sexo, mas tudo com uma pureza digna de ser transmitida durante um Concílio de Bispos.
"Num canto qualquer da cidade maravilhosa, se ergue o Edifício Balança, Balança... mas não cai ".
E o Direito de Nascer, a mais famosa novela de todos os tempos, quem pode esquecer? A Mamãe Dolores até hoje emociona aquela geração de ouvintes que sofria com o drama da pobre mãe e do seu Albertinho Limonta.
E os seriados com os nossos super-heróis da época, quem não lembra? As Aventuras do Anjo e do seu parceiro Metralha, antecediam o sempre aguardado Jerônimo, o herói do sertão, que ao lado do seu inseparável companheiro Moleque-Saci, lutava contra o ameaçador Caveira que tinha no seu comparsa Chumbinho o executor de todos os seus planos maldosos, visando acabar com a vida do nosso herói. Naquele tempo, chamar de moleque e de negrinho não era nenhuma ofensa, mas uma forma carinhosa de tratar os amigos negros. E ninguém era mais ou menos discriminado só pelo jeito com que era chamado. Hoje, nós teríamos de mudar a lingugem carinhosa com que o negrinho era tratado pelo amigo Jerônimo, sua noiva Aninha e o pai dela o Sr. Alonso.
Aos sábados, não havia outra estação a ser sintonizada senão a querida Rádio Nacional que, a partir das 3 horas tomava conta da tarde, com o Programa César de Alencar. "Esta canção nasceu pra quem quiser cantar, canta você, cantamos nós até cansar..." Alô, alô, alô, era ele , saudando o auditório superlotado pelas fanzocas da Emilinha Borba, que aguardavam ansiosas que fosse anunciada a presença da minha, da sua, da nossa favorita, Emilinha Borba. E o auditório ia ao delírio, quando de fundo musical, com o jingle do patrocinador, todos cantavam: "Pastilhas Valda, Pastilhas Valda, Emilinha é a maior, Pastilhas Valda, Pastilhas Valda, Emilinha é a maior".
A rivalidade entre Emilinha e Marlene, que era outra grande estrela do cast da Rádio Nacional, era celebrada através de dois programas de auditório - o de César de Alencar, promovendo a Emilinha, e o de Manoel Barcelos, que só tinha espaço e vez para Marlene.
Tudo jogo de cartas marcadas, mas quem se importava com isso? As fans brigavam, se chingavam e choravam de emoção, aos pés de suas artistas amadas e idolatradas.
É claro que existiam outras cantoras, e com mais qualidade que as duas, mas quem estava ligando para voz e interpretação? A rivalidade e a luta por fazer da sua favorita a Rainha do Rádio era o que contava, o resto era uma questão de detalhes.
E as tardes de futebol, com os locutores esportivos contando em palavras o que nossas vistas não poderiam ver, que momentos marcantes na minha vida de guri!
Novelas, teatros, crônicas, noticiários e os programas de auditório e humorísticos invadiam as nossas vidas e ocupavam o nosso imaginário, pois o rádio possui essa magia de narrar um fato e deixar que cada um pinte a tela do acontecimento com as tintas da sua imaginação.
Eu me deliciava com tudo que o rádio pudesse contar, e que eu fosse capaz de criar imagens do fato em si. Corrida de automóveis, que eram chamados de baratinhas de corrida, no Circuito da Gávea, com o famoso ídolo da época, o Chico Landi. Os jogos de basquete à noite, com o Flamengo campeão, comandado pelo legendário Algodão, levando o presidente Gilberto Cardoso a morrer de emoção, após o título conquistado por um ponto sobre o Fluminense.
Naquele tempo, os presidentes de clube davam a vida pelos clubes que presidiam. Eu sei que isso parece estranho, meu atento leitor, mas eram os velhos tempos, aqueles que não voltam mais. E a tudo isso, a Rádio Nacional contava aos pés do ouvido de nós ouvintes ligados nos acontecimentos do Brasil e do mundo.
Os artistas eram contratados a peso de ouro, como acontece agora com os jogadores de futebol. A diferença é que os artistas só nos davam alegrias, ao contrário desses mocinhos pretensiosos que pensam que são craques, só porque são promovidos por agências e marcas que pouco se importam com a qualidade dos espetáculos.
A Rádio Nacional era a grande agenciadora de craques radiofônicos, e seus programas eram insuperáveis. Campeã de audiência e líder em todos os horários de programação, o mundo não teria sido o que foi, se não existisse a Rádio Nacional.
E a nossa vida não teria sido aquela existência mágica e encantadora, se não tivéssemos nascido na Era do Rádio.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A SEXUALIDADE NA ERA DO RÁDIO


Meus recatados leitores, não se assustem com o título do texto, que obteria censura livre de qualquer censor mais rigoroso, mas se preparem para refletir sobre o amor.

Estava a ouvir a encantadora música tema do filme não menos encantador Verão de 42, ou como foi traduzido no Brasil – Era uma vez um verão.

Como diz minha crítica Flora, isso é filme para homem. E ela tem toda razão, apesar de não me furtar a uma ressalva de que as mulheres deveriam prestar mais atenção aos gostos masculinos, para que pudessem entendê-los melhor.

Recomendo às mulheres a leitura do livro HE de Robert A. Johnson, para que conheçam a chave do entendimento da psicologia masculina, como afirma o subtítulo da obra.

Calma lá, minhas queridas leitoras, não me furtarei a cobrar dos homens uma atitude semelhante, recomendando-lhes outra obra do mesmo escritor, denominada SHE.

Se homens e mulheres se preocupassem mais em entender as psicologias uns dos outros, os casais não brigariam tanto e o número de separações se reduziria drasticamente.

Mas, voltemos ao verão de 42, quando se passa a narrativa do filme, em que um grupo de meninos fica obcecado com a presença de uma bela e solitária jovem, morando numa casa à beira da praia da ilha onde se passa a história.

Da obsessão à paixão, e dessa ao despertar da sexualidade do adolescente tudo se passa com absoluta naturalidade, que se vai encadeando entre a curiosidade inicial, a atração física e até o desabrochar da sexualidade do jovem mais recatado dos três.

A jovem desesperada pela notícia da morte do marido na guerra, noticiada por uma carta, cede à casta paixão do adolescente. Naquele momento, foi como se ela entendesse o vazio na alma do adolescente, por tê-la tão próxima e ao mesmo tempo tão distante, naquela ânsia por tocá-la.

Entendam, os jovens leitores, o rapazinho não pensava em sexo, mas em extravasar o seu sentimento apaixonado, represado na alma. E, o ato sexual é, ou deveria ser o epílogo dessa epopéia amorosa, que saltita dos olhos para a mente, e dessa para o coração.

Perdoam-me os que, com menos de 50, se arriscam a vir ler essas minhas reminiscências que falam de um tempo em que o amor antecedia o sexo. Pedia-se para namorar, pegava-se na mão, para só mais tarde colocar-se a mão no ombro. Beijos? Isso ficava para mais tarde, quando a moça confiasse nas intenções do rapaz. O que? Sexo? Nem pensar nisso, antes da aliança no dedo, e no dedo da mão esquerda.

As imagens desse filme, para homens ou para garotos, transportam-me para a minha infância, em que as meninas mais saidinhas do que os meninos escreviam bilhetinhos e propunham brincadeiras que sugeriam um pouco mais do que coleguismo ou amizade.

Lembro-me do recreio no primário, em que por sugestão feminina, juntávamos meninos com meninas para brincar de casamento japonês. Meninas de um lado e meninos do outro. A menina fixa o olhar na vítima e ataca o pobre coitado que, vermelho e sem outra saída, se vira de costas, recusando a investida. Mas, isso era só o início. Ela esperava a volta, e com aquele olhar oblíquo e dissimulado, no estilo Capitu, aguardava o fim do vai-e-vem, de meninas escolhendo meninos e de meninos escolhendo meninas.

Ela rejeitava todos os demais pretendentes, e ele também, até que só restavam os dois. Ela, então, sorrateira e faceira caminhava até o seu objeto de desejo e propunha o acordo mais honroso para os brios masculinos, aceitar a donzela quase ajoelhada a seus pés.

Ele não tendo outra saída, dizia sim, não lhe dando as costas. E ela num salto felino, encaixava o braço no braço dele, e saía vencedora daquele desafio conjugal nipônico. Casamento japonês, a primeira trama feminina para subjugar os tímidos e indefesos machos, e se apossar deles, sem dó, nem piedade.

É claro que, mais tarde, os papéis se inverteriam, mas tudo com uma dignidade e recato, que constrangeriam os machões de hoje em dia e, mais ainda, as moçoilas deslumbradas que estão mais ansiosas com a lua-de-mel do que com o ato conjugal de dar o braço ao estilo do nosso casamento japonês.

Se as mulheres procurassem entender o que se esconde na alma masculina, talvez se surpreendessem ao descobri-los assustados e inibidos, com a proximidade de um encontro às escuras, ou ansiosos e temerosos, por descobrir com quem com ele troca confidências na frente da telinha do seu computador.

Os homens são mais tímidos do que querem demonstrar, e as mulheres mais impetuosas do que deixam transparecer. E isso vem desde o verão de 42, quando aquela jovem viúva traumatizada pela perda do seu amado, não ficou insensível ao sofrimento daquele espécime masculino que sofria de paixão, com a sua proximidade.

Carinhosamente, ela conduziu-o para o quarto. E como o filme foi feito numa época em que se sugeriam amores e carinhos mais do que se esmiuçavam posições e carícias, ficou tudo por conta da nossa imaginação. Imaginações masculinas e imaginações femininas, separando bem sentimentos e fatos.

Digo-lhes, meus jovens leitores, sofria-se mais naquela época, por um amor recusado, por uma paixão perseguida e perdida. Mas, o amor era mais prazeroso. E o sexo, bem... Que cada um tire as suas próprias conclusões. E é bom não esquecer que no verão de 42 já estávamos vivendo Na Era do Rádio.