Na Era do Rádio, anúncio era reclame, dança era bolero e música para dançar era a que saía do sonoro saxofone de Sandoval Dias.
Ah, meu nostálgico leitor, eu também concordo que essas danças modernas, em respeito aos grandes dançarinos, como Fred e Ginger, Gene Kelly e Cyd Charisse, deveriam ser chamadas de outros nomes, menos danças.
E poucos músicos brasileiros souberam conduzir com tamanha maestria a linha melódica de uma dança, como Sandoval Dias com o seu sax-tenor. As festas ficavam mais românticas ao som do bolero que saía do sax de Sandoval. Os casais suspiravam baixinho, e se deixavam levar pelo salão, no embalo suave e sereno do conjunto de Sandoval Dias.
Muito poucos músicos souberam marcar de forma tão harmoniosa o ritmo da música dançante, como Sandoval.
O disco que analiso hoje, Um saxofone em hi-fi, considero o melhor de toda a discografia de Sandoval Dias, em parte por uma seleção de primeira linha, mas principalmente pelas interpretações de altíssimo nível desse mestre da música dançante.
Na capa, o charme da artista de cinema da época, Jayne Mansfield, uma rival da Marylin, mas que nunca chegou a ameaçar a fama da mais famosa loura do cinema.
O meu tio Sandoval costumava lançar seus LPs com mulheres nas capas, mas isso não era uma jogada comercial só dele, mas de quase todos que lançavam discos dançantes naquela época.
A mulher era um chamativo a mais, para a venda dos álbuns fonográficos. Mas, tenho certeza que, se alguém comprou este disco somente por causa da estrela da capa, foi agraciado com um dos melhores discos da época.
As interpretações para No Rancho Fundo e Pensando em ti são fenomenais. No entanto, nada se compara à magistral técnica com que a música Czardas é interpretada, quando o sax de Sandoval parece esquecer que é um instrumento de palheta, e se transforma num virtuoso violino.
Os violinistas se sentem desafiados, diante dessa obra musical difícil de ser executada, e não são poucos que tropeçam em suas variações melódicas, que exigem muita sincronia de movimentos.
O sax de Sandoval parece desconhecer todas essas aparentes dificuldades, e oferece-nos uma oportunidade rara de ouvir o que um músico é capaz de fazer com o seu instrumento, quando ele sabe o que faz. Num determinado trecho, quando todos os músicos se sentem mais desafiados, pela vibração constante e muito veloz que tem de ser imprimida a interpretação, é ali que Sandoval se sente mais à vontade e dá uma lição de destreza e técnica apurada, fazendo o baile parar, para que todos possam apreciar e acompanhar melhor a beleza do som da música.
Uma vez, tive essa experiência num baile em que tocava o famoso 7 de Ouros, quando os pares foram parando de dançar e olhando para o palco, embevecidos pelo que estavam ouvindo, até que coroaram o final da apresentação com uma interminável salva de palmas.
Sandoval Dias tinha essa genialidade para tirar do saxofone dourado, uma sonoridade melodiosa que não parecia vir de um instrumento musical, mas de um coral de anjos celestiais.
Em nenhum outro de seus LPs, Sandoval Dias foi tão brilhante quanto neste Um saxofone em hi-fi. As músicas que compõem o disco são Pensando em ti, Love Letters in the Sand, Maria La ô, Encabulado, Dejame en paz, Neptuno, Nereidas, No Rancho Fundo, Autumn Leaves, Czardas, Around the World e Deixa o meu coração cantar.
Sambas, boleros, choros, fox, são diversos os ritmos, mas todos feitos para dançar.
Era assim que se animava as festas, na Era do Rádio. Uma radio-vitrola ou eletrola, uns discos LPs e música dançante da melhor qualidade.
A vizinhança não reclamava, mas, pelo contrário, pedia para que tocasse um pouco mais alto. E o som suave e melódico atravessava a janela, percorria o jardim e chegava aos ouvidos do vizinho da casa ao lado, que de olhos fechados tirava uma casquinha da festa que não pôde ir, mas que pôde receber em casa.
Era assim que se dançava na Era do Rádio. Todos se sentiam um pouco Fred e um pouco Ginger.
E ao fundo, a virtuose de Sandoval Dias e seu sax dourado.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Assinar:
Postagens (Atom)