quarta-feira, 26 de maio de 2010

É ANO DE COPA


Esses dias que antecedem mais uma Copa do Mundo me transportam para os meus tempos de criança, lá para os idos da década de 50.

É verdade que nem sempre as lembranças são prazerosas, mas o que se pode fazer com a memória, se ela teima a nos arrastar pelo tempo, para décadas passadas.

A minha primeira lembrança de Copa do Mundo é a de 1950, quando o Brasil inteiro chorou a derrota na decisão para o Uruguai por 2x1, com o Maracanã lotado.

Como nasci em 44, e em 46 não houve Copa, por causa da guerra, a Copa do Mundo no Brasil teve um sabor todo especial, por ter sido a primeira disputada após a minha chegada a este mundo.

Com meus míseros seis anos de idade, passei a conviver com jogadores de nomes difíceis de pronunciar para quem mal aprendera a falar o português.

O meu tio Adhemar, pouco mais velho do que eu, foi o grande mestre das minhas brincadeiras infantis, dentre as quais, o jogo de botões. Eu já contei isso, mas não me furto de repetir quantas vezes forem necessárias, pois com a inexperiência da idade seria impossível organizar a Copa do Mundo de futebol de botões, sem a assessoria direta do meu tio.

Adhemar chegava com botões novos que iriam compor as diversas seleções, já que os botões que eu tinha não seriam suficientes. Ele trazia também no bolso da camisa as escalações de todas as seleções, para que recortássemos os nomes de cada jogador e colássemos nos botões.

Era na hora de pronunciar os nomes dos jogadores que as coisas se complicavam um pouco, mas nem tanto, pois meu tio havia ouvido no rádio o modo certo de falar aqueles nomes estrangeiros, e me ensinava a repeti-los até a exaustão.

Nomes espanhóis como o do goleiro Ramallets, dos atacantes Basora, Panizo, Gainza e Parra se tornaram íntimos do meu vocabulário, e passaram a ser citados aos brados, enquanto eu irradiava o jogo, em que um dos meus times de botões, representando a Seleção da Espanha, enfrentava a Seleção da Itália, defendida pelo meu tio.

Esses nomes apareciam em cima dos botões, para ajudar-me a identificá-los, mas eu ainda não sabia ler, e teria mesmo é que decorar os nomes de cada botão. Os nomes italianos para o meu tio eram mais fáceis de identificar, pois ele ia lendo os nomes colados nos botões.

Boniperti, Pandolfini, Campatelli e Capello eram alguns dos nomes esquisitos para os meus ouvidos infantis que ainda estavam praticando sua audição com palavras da língua portuguesa.

A Espanha enfrentou a Itália na nossa Copa do Mundo de botões, mas o Uruguai e o Brasil, que iriam protagonizar a grande decisão, não poderiam ficar de fora, e também se enfrentariam no chão de tacos bem encerado do meu quarto.

Barbosa, Augusto e Juvenal, Bauer, Danilo e Bigode, Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico, esta era a minha escalação favorita, que eu considerava nos meus ingênuos seis anos uma seleção imbatível.

A seleção do Dunga, meus jovens leitores, se comparada com a seleção de 50, não passa de um time de peladeiros da várzea, daqueles que chamam a bola de madama, sem a menor intimidade com a esfera, como diziam os locutores do meu tempo de criança.

A seleção brasileira era muito superior à dos nossos “hermanos” uruguaios, mas o futebol é uma caixinha de surpresas, mais uma frase de efeito dos locutores esportivos da Era do Rádio.

No clássico dos botões, o Brasil derrotou com facilidade a seleção uruguaia, e tudo fazia crer que o mesmo aconteceria naquele domingo no Maracanã. Mas, Obdulio Varela, o xerife uruguaio, tomou conta do jogo, gritou com os brasileiros, pressionou o juiz, deu uns trancos nos seus companheiros de equipe e levou o Uruguai à conquista da Copa.

Brasil 1x0, o Maracanã delira, gol de Friaça, a Copa do Mundo é nossa. O segundo tempo corre e, de repente, Schiaffino recebe um passe de Gighia e empata o jogo, calando o Maracanã. Daí a pouco, a tragédia em seu ato final, Gighia dribla Bigode e chuta no canto da baliza de Barbosa, decretando o luto por oito anos do futebol brasileiro.

A nação brasileira precisou aguardar a seleção de 58, para recuperar a auto-estima e levantar a Taça, pelas mãos de Beline, o grande capitão da seleção que teve até uma música originalíssima, que dava a escalação da seleção com ritmo – Gilmar, De Sordi e Beline, Zito, Orlando e Nilton Santos, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo, eis o escrete nacional.

Desculpem-me, meus esportivos leitores, mas não dá para comparar a seleção daquele título de 58 e a outra inesquecível de 70, com essa atual, de Elano, Júlio Batista, Gilberto Silva, Josué e outros menos medíocres, mas nem por isso à altura de uma seleção brasileira.

Creiam-me que nem desacredito que essa seleção desprovida do viço e da beleza do futebol brasileiro possa tornar-se campeã, pois, apesar de todo o esforço da mídia para nos convencer do contrário, joga-se no mundo inteiro um futebol de trancos e barrancos, mais de cartões e expulsões do que de gol, mais voltado para os euros do que para os dribles, mais preocupado em promover cartolas do que craques.

No tempo da Era do Rádio, ouvia-se a voz encorpada de tom solene de um Oduvaldo Cozzi abrir a transmissão de um clássico esportivo como se fôssemos assistir a uma sinfonia no Teatro Municipal. Os comentaristas entendiam de futebol, e não estavam preocupados em elogiar o atleta que será negociado para a Europa, nem falsear com a verdade atribuindo ao jogo virtudes que só servem para promover os direitos de transmissão de sua rede global.

A realidade é que não consigo esquecer os dias que antecediam às Copas, como também acontecia nas vésperas dos dias de Carnaval. Era aquela ansiedade, escalando o nosso time ideal, ou cantando a nossa marchinha favorita.

Futebol e carnaval estavam sempre presentes nos meus sonhos de menino. Era só ligar o rádio na hora certa que sentíamos todo o arrepio do início de um jogo ou de um grito de gol.

As marchinhas mexiam com o nosso imaginário, e eram até levadas para os estádios, como Touradas de Madri, na Copa de 50.

O clima é outro, meu amável leitor, os tempos mudaram, e já não se joga mais por amor à camisa, mas pensando no contrato que poderá vir no final da Copa. E as marchinhas, bem, essas nem existem mais. Tudo ficou para trás, preso no tempo da Era do Rádio.

terça-feira, 18 de maio de 2010

É HORA DO LANCHE

Meus nostálgicos leitores, não esperem de mim, neste texto, reminiscências que os levem a recuar no tempo e reviver fatos marcantes de suas vidas, naqueles tempos da Era do Rádio.
Reservei este espaço para lembrar momentos muito íntimos da minha infância, quando à volta da mesa, na sala de jantar, minha mãe recebia suas irmãs para um lanche farto e uma fartura de papos furados, regados a saborosas xícaras de café e um delicioso Bolo da Prima.
Na época, eu não entendia bem o porquê de se chamar da Prima, aquele bolo que era comido por todos nós, sem a presença de qualquer prima, nem minha, nem delas. Mais tarde, só bem mais tarde, desvendei o enigma, o bolo fora batizado por alguma razão em homenagem a uma prima, talvez de quem houvesse criado a receita. Isso, porém, em nada contribuía ou atrapalhava o saciar da gula daqueles que se satisfaziam seus paladares com o macio e saboroso Bolo da Prima.

As irmãs falavam alto, como era comum na família, e riam às lágrimas, contando casos de parentas ou de vizinhas, no velho e tradicional estilo das fofocas inocentes, sem más intenções ou maiores conseqüências.
As irmãs eram quatro, mas as mais assíduas eram minha mãe, Isabel, e minhas tias Irene e Edite. As três faziam tal algazarra que talvez dessem aos vizinhos a impressão de que brigavam enquanto lanchavam ao redor da mesa.
Nos dias das visitas vespertinas de minhas tias, o rádio ficava desligado, pois nada poderia atrapalhar o encontro das irmãs quando colocavam a conversa em dia.
A tia Amélia, a quarta irmã, a mais nova delas, não era uma presença muito notada nesses lanches da tarde, não que não houvesse afinidade com as outras, mas talvez por ter um gênio mais reservado e menos afeito a esses encontros.
A tia Irene era a mais velha e a mais engraçada de todas, pois tudo que ela falava, desde as coisas mais sérias, e talvez principalmente elas, faziam as outras duas caírem em gargalhadas.
A tia Edite tinha um jeito meio misterioso de contar os fatos, por mais banais que fossem, e levava as outras duas ao suspense, até que riam umas das outras, sem nem saber a razão.
Eu ficava meio de lado, às vezes distraído com algum brinquedo, outras vezes sentado à mesa com elas, só ouvindo e rindo quando todas riam.
Os meus olhos ficavam grudados no Bolo da Prima, que logo seria servido com uma fumegante xícara de café. Naqueles dias em que as irmãs se reuniam dispensava-se o pão, já que o bolo era suficiente para acompanhar o café.
A hora do lanche, talvez pela importância que minha mãe dispensava a esse ritual da tarde, ficou marcada em minha memória. E mais do que isto, passou a ser a refeição mais prazerosa do dia.
Nas outras tardes, sem as irmãs presentes, minha mãe me pedia para comprar pão, enquanto preparava o café. E lá ia eu, correndo como fazem as crianças, que parecem estar sempre com pressa para chegar a lugar nenhum. Entrava na padaria, sentia o aroma do pão fresquinho, pedia duas bisnagas, e voltava correndo, abraçado a elas e sentindo o calor do pão quente junto ao corpo.
Entrando pela porta da sala, eu era recebido pelo aroma do café que estava sendo coado na cozinha, e quase pronto para ser provado e aprovado. O relógio marcava invariavelmente três e quinze, três e meia, quando sentados à mesa fazíamos o lanche da tarde.
O rádio, sendo um dia comum, estava ligado em algum teatro da tarde ou num programa musical, e se fosse sábado, desde as 3 horas, estava sintonizado na Rádio Nacional, no Programa César de Alencar.
Durante o restante da semana, ouvia-se o Programa César Ladeira, Programa Manoel Barcelos, O Trem da Alegria com a Yara Salles e o Héber de Bôscoli e A Felicidade Bate à sua Porta, também apresentado pelo mesmo casal.
Terminado o lanche, a pelada na rua estava à minha espera. A bola, com seu barulho tradicional, repicando na calçada, era o convite definitivo para o convívio com os colegas que já estavam escolhendo os times.
Par ou ímpar. Eu quero o Gilberto, eu quero o Lando; quero o Madir, eu quero o Sarrafo, e os times iam sendo formados até chegar ao último do grupo. Quase sempre, eu era o primeiro ou o segundo escolhido, pelas minhas reconhecidas habilidades com os pés.
As tardes, que começavam na mesa do lanche, acabavam, invariavelmente, com um grito de gol, o derradeiro que encerrava a partida. A noite já estava caindo, eu voltava para casa, suado, imundo, mas satisfeito com a vitória do meu time. Se perdesse o jogo, não perdia a alegria de ter passado mais uma tarde, junto com os colegas, chutando bola e marcando gol.
O parque de diversões começava a anunciar as atrações noturnas, tendo ao fundo o cavaquinho do Valdir Azevedo. O rádio da casa já estava ligado para os capítulos do Cavaleiro da Noite, As Aventuras do Anjo e Jerônimo, o Herói do Sertão.
E dizer que tudo começou com o lanche da tarde. É por isso que, até hoje, na hora do lanche, eu me transporto para aqueles tempos idos, que foi conhecido como Era do Rádio, e tenho a sensação de ouvir o repicar da bola na calçada e alguém falando o meu nome, enquanto os times vão sendo escolhidos.
Era assim que se passavam as tardes na Era do Rádio, ora recebendo a visita das tias, ora dedicado a um dever de escola, ora correndo atrás da bola. Mas, sempre cercado de muita magia, que vinha dos rádios ou do alto-falante do parque, num formato musical inesquecível, em ritmo de chorinhos, boleros e samba-canções.
Isso era suficiente para que passássemos uma tarde feliz. Não precisava mais nada, para mim bastava um rádio ligado, o lanche da tarde e uma pelada de rua, pois afinal de contas havia o enorme prazer de estar vivendo na Era do Rádio.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

RESPEITÁVEL PÚBLICO







Sexta-feira de um dia qualquer, de um mês qualquer, de um ano da década de 50.
Tudo acabado entre nós, já não há mais nada...
A voz de Dalva de Oliveira caminhava pela rua empoeirada da minha infância, e chegava aos meus ouvidos na outra extrremidade da rua.
Era o altofalante do Circo que, entre um chamado e outro para o espetáculo da noite, desfiava os sucessos da época na voz da grande Dalva.
Que será, da minha vida sem o teu amor, da minha boca sem os beijos teus, da minha alma sem o teu calor... Enquanto ouvia a Dalva, pensava com os meus botões que seria muito bom poder assistir o espetáculo da noite.
Trapézio, pra lá e pra cá, lá no alto, me dava um frio na barriga só de me colocar no lugar do trapezista. Mas, havia a compensação para tamanho risco, a bela parceira que era aparada no ar e conduzida até a segurança da plataforma. O menino sonhava com o ato heróico de pegar a moça no ar e nunca deixá-la cair.
Os aplausos despertavam os sonhos da minha meninice, enquanto entravam no picadeiro o mágico e a sua partner. Sumiam coisas na nossa cara, e nós que nem bobos, só sabíamos bater palmas. Linda a partner, e que pernas! Meias escuras tentavam esconder a brancura daquelas pernas, mas nem a palidez da carne, nem as formas sedutoras, se deixavam encobrir por aquelas vãs tentativas.
Um pequenino grão de areia que era um pobre sonhador, olhando um céu viu uma estrela...
A voz da Dalva despertou-me do sonho, e me fez decidir que iria pedir para ir ao circo à noite.
É claro que omitiria as pernas da ajudante do mágico e o corpo da trapezista, e me fixaria nas graças dos palhaços. Assim seria mais convincente, e bem mais decente, pelo menos para os padrões da época.
Voltaria a rir do carro que explode, e joga os palhaços pra longe. Cairia na pilha do palhaço mau que provoca o bonzinho, e pede para meninada não avisar que ele está ali escondido.
Ai, ioiô, eu nasci pra sofrer, fui olhar pra você...
Era a voz da Dalva que, novamente, interrompia minhas fantasias. Sentado na beira da calçada, defronte da entrada da vila onde morava, eu sentia um misto de nostalgia e excitação.
A nostalgia ficava por conta do espetáculo circense, por outros que já havia assistido. A excitação vinha do lencinho branco, que a Dalva cantava e encantava a todos que passavam na rua.
Se fosse hoje, os valores seriam invertidos, saudade das músicas da Dalva e excitação por ouvir o carro de som anunciando o último dia de espetáculo.
Entrei, e tomei um banho caprichado. Vesti uma roupa de sair, não de missa, mas de meio de semana.
Na mesa do jantar, eu sugeri a ida ao circo. A surpresa não foi maior do que a alegria de receber um sim.
Respeitável público, boa noite.
E já deitado na cama, sem conseguir pegar no sono, ficava eu a recordar tudo aquilo que, durante a tarde, pus-me a sonhar.
A trapezista não era tão bonita como eu havia imaginado. Mas, a beleza da ajudante do mágico até que compensou. Na emoção dos truques, eu nem reparei nas pernas da moça. Azar, fica para uma outra vez!.
Os palhaços eram bons, mais engraçados do que os do circo anterior. A explosão do carro foi mais alta, parecia de verdade. E aquele palhaço vilão, que raiva!
Acho que valeu a pena.
Lá se foi mais um dia da minha infância, com música, circo, sonhos e a esperança de um amanhã ainda mais feliz.
Era assim que os meus dias corriam, meus pensamentos voavam e meus sonhos me embalavam na Era do Rádio.

terça-feira, 4 de maio de 2010

NO DIA 4 DE MAIO DE 1906 NASCIA SANDOVAL DIAS





A Bahia foi o seu berço, o Rio, o seu lar.

Ainda jovem foi morar no Rio de Janeiro, onde tomou gosto pelo saxofone. O seu pai foi seu professor, o trompete seu primeiro instrumento e o sax uma relação de amor.

Não precisou de muito tempo para estar participando das principais orquestras do Rio, tocando em Cassinos e Estações de Rádio.

Em 1941, ingressou na Rádio Nacional, onde permaneceu até 1961, quando se transferiu para a Rádio MEC, vindo a ocupar a função de claronista da Orquestra Sinfônica do MEC, sob a regência do Maestro Eliazar de Carvalho.

Na época em que trabalhou na Rádio Nacional, foi contratado exclusivo por cinco anos da Gravadora Philips, quando gravou 14 LPs de música dançante.

Na década de 60, Sandoval fez parte do Conjunto Musical “Os Boêmios”, juntamente com Homero Gelmim (violino), Eugênio Martins (flauta), Gabriel Henriques (baixo) Artur Duarte e Carlos Lentini (violão), Waldemar Melo (cavaquinho) e Cabore (percussão).

Na década de 70, Sandoval se aposentou, mas não parou com a sua carreira musical. Ele foi convidado para reger a Banda Euterpe Friburguense, depois a Banda de Cordeiro, encerrando a sua carreira como maestro da Banda Civil do Rio de Janeiro, que esteve sob sua regência até 1993, quando no dia 6 de setembro veio a falecer.

Sandoval Dias foi um desses artistas que já nasceu pronto, bastou pegar no instrumento, e a vocação tratou de se incumbir do resto. Elogiado no meio musical, e considerado um dos grandes músicos do seu tempo, morreu sem muitas honras e glórias, do jeito simples como sempre viveu. Ainda hoje, poucos se dão ao trabalho de reverenciar esse que foi um dos maiores saxofonistas da musica popular brasileira, mas que preferiu deixar nas suas obras os testemunhos do seu talento, a ter de sacrificar suas convicções e se dedicar a ritmos musicais com os quais não se identificava.

No dia de hoje, se vivo estivesse, Sandoval estaria completando 104 anos e recordando conosco algumas de suas interpretações memoráveis como Czardas, no disco Um saxofone em hi-fi, Ouça, em Música de Maysa e O nosso olhar, no Ao Encontro da Música.

Quem teve o privilégio de conviver com Sandoval, há de ter sempre na memória aquele seu jeito manso e sereno, fala macia e pausada, um perfeccionista e um pioneiro para a sua época. Os sobrinhos se deslumbravam com o seu sax dourado, seu projetor de filmes e suas famosas sessões de cinema, tendo no programa filmes de Popeye e Olivia Palito, Mickey Mouse, O Gordo e o Magro e Carlitos.

Onde ele estiver, há de estar sonhando com a sua música romântica e com a também sua, e não menos romântica ilha de Paquetá.

Parabéns, meu tio, por mais este dia 4 de maio.

sábado, 1 de maio de 2010

TRABALHADORES DO BRASIL !!!

-Trabalhadores do Brasil...!!!
Era a voz do Presidente Vargas entrando em nossas casas pelas ondas do rádio.
O povo já conhecia o seu refrão, repetido antes de cada frase endereçada aos trabalhadores.
Os operários adoravam ouvir o Velhinho, como era chamado carinhosamente pelos mais humildes. Ele tinha a empatia popular que o povo reverencia sem discutir os méritos.
Ele prometia e cumpria, ao contrário da maioria dos atuais políticos e governantes.
O ano era um dos primeiros da década de 50, o dia e o mês não deixam dúvida, era um Primeiro de Maio - Dia do Trabalho.
Os rádios estavam, quase todos, ligados no discurso do Presidente, transmitido desde o campo do Vasco, cenário dos principais eventos da época.
Getúlio Vargas foi um homem polêmico, amado ou odiado, jamais ignorado. Era um líder na verdadeira essência da palavra, e a sua liderança era exercida a favor dos trabalhadores. Ele sabia agradar os mais pobres, para os quais governava sem constrangimentos ou disfarces.
As classes média e rica tinham lá suas restrições a Vargas, mas poucos se atreviam a criticá-lo, pois ele governava com pulso forte, mesmo quando foi eleito dentro das regras democráticas. Ele já havia sido ditador, quando a sua polícia secreta pintava e bordava, calando quem se metesse a besta de criticá-lo em público. Depois de deposto, anos depois, cometeu a ousadia de se candidatar à presidência, e ganhou a eleição.
Dizia eu que o os rádios estavam ligados no discurso de Primeiro de Maio, e digo-lhes agora que, sendo feriado, tudo estava parado, não havia vivalma nas ruas.
Aquele deserto me incomodava muito em dias de feriado, pois não conseguia entender porque meus colegas tinham que ficar em casa, se na nossa idade ninguém precisava de feriado para descansar.
Sem a molecada na rua, não havia a tradicional pelada da tarde. E sem a pelada diária, o meu dia não era completo. Eu dormia com a sensação de que faltou alguma coisa, algo que me alimentava e me dava mais vontade de viver.
O sentimento de frustração, diante da rua vazia, era marca constante a cada feriado.
Nos dias santos, então, a tristeza era ainda maior, com as missas matinais e as frustrações vespertinas.
Dia santo, vá lá! Afinal, os pais arrastavam os filhos para as missas, e à tarde terminavam, quase sempre, nas casas dos avós. Mas, no Dia do Trabalho!
E afinal que dia do trabalho é esse, se ninguém trabalha? E ficava eu a resmungar, tentando encontrar um bode expiatório, sobre o qual lançar toda a minha raiva pelas ruas desertas.
Se eu pudesse silenciava o Presidente, trocava a estação do rádio para um programa mais alegre e ia para a rua bater a minha pelada. Mas, eu era uma criança, e mesmo pensando que sabia de tudo, a verdade é que eu não sabia nada.
Os dias de feriado acabavam chochos, sem conteúdo. Eu ia dormir ranzinza e implicante, transferindo para o cuco do relógio a minha raiva contida, que não me deixava dormir um sono tranqüilo e repousante.
Ao pegar no sono, sonhava com o dia seguinte, e já me via na algazarra da rua, no meio de uma daquelas peladas disputadas, que a garotada torcia para não acabar nunca.
Desculpem-me senhoras, sei que há um certo egoísmo masculino, nessas minhas reminiscências, mas não tenho como esconder ou negar a minha condição de menino, quando relembro as minhas decepções infantis em dias de feriado.

A chateação era tamanha que nenhuma música eu ouvia que não me causasse um enfado fatigante, daquele que dá vontade de pegar um gibi, deitar na cama e esperar o sono chegar.
Nem Dalva, Emilinha ou Dircinha, nem mesmo a Adelaide cantando Beijinho Doce, nada me levantava o astral.
E no rádio do vizinho, pois o meu já havia sido desligado há tempo, ainda pude ouvir o fim do discurso do Presidente Vargas, com a mesma saudação com que começou:
- Trabalhadores do Brasil!!!

Amanhã, pensava eu, essa sopa vai acabar, e a bola vai rolar.
O rádio desligado. Isso, às vezes acontecia, mesmo durante aqueles tempos, da Era do Rádio.