Meus carnavalescos leitores, eis-nos a uma semana do carnaval!
As modinhas já eram tocadas nas rádios, desde o início do ano. Os programas de auditório reservavam um grande espaço para os cantores que gravavam para o carnaval. As fantasias da criançada já estavam quase prontas. Rolos de serpentina, sacos de confete e tubos de lança-perfume já estavam guardados à espera do sábado de carnaval. Mas, isto era num tempo distante, no tempo dos blocos de sujos, das modinhas e dos mascarados – na Era do Rádio.
Confesso-vos mais uma vez, meus assíduos leitores, que o carnaval daquela época era uma fantasia alimentada durante todo o ano e sonhada nos quatro dias de festa. A meninada da minha rua entrava em transe, desde o repicar do primeiro tamborim até o fim de noite na terça-feira. Os bondes passavam repletos de carnavalescos fantasiados cantando os sucessos que seriam repetidos nas ruas e nos salões de baile.
A minha alma não conseguia ficar sossegada no corpo, e já nas primeiras horas da manhã de sábado, eu estava na rua, cabelo desgrenhado, como todo guri com menos de 10 anos, ouvidos atentos, à espera dos blocos, a cabeça no ar e os pés descalços.
“A mulher do meu maior amigo me manda bilhete todo dia, desde que me viu ficou apaixonada, me aconselha, seu Júlio Louzada”. Essa música ficou gravada na minha memória, por razões diversas, e talvez por um pouco de um sutil erotismo, pelo menos na cabeça de um garoto da época. Estávamos no ano de 1952, época em que bilhete de mulher casada era um escândalo.
Virginia Lane, a vedete dentucinha e das pernas grossas, estava sassaricando com os velhos na porta da Colombo, e era mais uma mensagem sugestiva daquele sexo reprimido da época. A TV TUPI punha na tela as modinhas carnavalescas do ano, e isto era uma novidade para quem se acostumara a ouvir as seleções de músicas de carnaval somente através das estações de rádio.
“Espetáculos Tonelux” era um programa estrelado pela Virginia Lane que, enquanto sassaricava com a sua música, ia deixando os homens inteiramente seduzidos por suas vestes muito decotadas e de pernas de fora, consideradas audaciosas para o início da década de 50.
Carnaval era uma festa realmente popular, ansiosamente aguardada e muito festejada, porém sem os requintes de hoje em dia. Os desfiles eram de blocos e de carros alegóricos das chamadas Sociedades, o baile era o do Teatro Municipal, e o resto do tempo era diversão nas ruas e nas praças.
O sábado de carnaval era o portal mágico que dava acesso aos três dias de folia, quando o povo botava o seu bloco na rua, e saía cantando as músicas de maior apelo popular, que foram caitituadas nos programas de rádio pelos cantores famosos.
Caitituar, meu jovem leitor, era o termo usado para o ato de promover as músicas, quando os cantores faziam verdadeiras maratonas, comparecendo a inúmeros programas de auditório e aos estúdios, divulgando as suas músicas.
O rádio era o grande divulgador do carnaval, assim como é hoje a televisão. O rádio divulgava as músicas a serem cantadas nas ruas, enquanto que a televisão promove os enredos das escolas de samba, que irão ser exibidos na Avenida.
Este termo Avenida também merece uma explicação para os mais jovens. No início, as escolas de samba desfilavam nas Avenidas do Centro do Rio, a Rio Branco e a Presidente Vargas. O Sambódromo ainda era um sonho distante e essa riqueza de fantasias e alegorias, nem pensar!
Eram os blocos com suas baterias, muitas vezes improvisadas, os grandes astros da festa. A turma da rua se reunia, comprava um pandeiro e um tamborim, conseguia um tambor velho, um trombone e um clarim, e o resto era festa. As fantasias eram feitas de vestidos, saias e sapatos altos, da irmã ou da namorada, que davam um tom feminino aos machões da época.
Os mais sinistros colocavam máscaras e saíam a assustar as crianças. Caveiras, diabos e os pavorosos morcegos infernizavam as nossas vidas, e nos deixavam sobressaltados a cada esquina. Mas, havia uma ingenuidade no ar, uma brincadeira quase infantil e um erotismo disfarçado, e até escondido, que aliviava as tensões reprimidas durante o ano, e, saborosamente, descarregadas no carnaval.
Os blocos não tinham nenhuma semelhança com as escolas de samba, por não terem rainhas de baterias e nem carros alegóricos. Os seus componentes eram arregimentados na hora, nos portões de suas casas, com as roupas que tinham no corpo, ou nem tinham. As ruas eram de terra, e a poeira era inevitável. Nada mais natural, portanto, do que o termo “blocos de sujos”.
É desse carnaval que estou falando. Eu sei muito bem, meu nostálgico leitor, que acabei por te arrastar para outros tempos, os tempos dos blocos de sujos. Mas, o que posso eu fazer, se este meu recanto de memórias tem o hábito saudável de falar e relembrar daquele tempo antigo dos meus tempos de criança, que ficou conhecido como a Era do Rádio!