Essa frase polêmica foi tema de uma jocosa história contada por Chico Anysio no seu ingênuo, porém sempre brilhante, programa Esse Norte é de morte.
Este era mais um daqueles inesquecíveis momentos, da programação noturna da Rádio Mayrink Veiga, quando o humor ficava por conta de comediantes geniais, dentre os quais o insuperável Zé Trindade.
Com um sotaque baiano e um jeito matreiro de lidar com os fatos, o Zé era uma figuraça, e sua voz provocava gargalhadas, mesmo quando repetia as mesmas frases já manjadas - "como disse, como disse?" - "mulheres, cheguei" - "dandá pra ganhar tentém", e por aí afora.
Era noite de uma quinta-feira, e o rádio estava sintonizado na Rádio Mayrink Veiga, quando o apresentador anunciou mais um Esse Norte é de morte, um programa que contava histórias do Norte, como era mais conhecido naquela época o Nordeste.
O script era de um dos mais ilustres filhos desse Norte, que fica meio para os lados do Leste, natural de Maranguape, chamado Chico Anysio.
A história daquela noite era simples como todas que, a cada semana, eram contadas pelo próprio Chico, que as relatava como se verdadeiras fossem, e nós acreditávamos, pois a crença ajudava a gargalhada fácil, que era a única intenção dos que sintonizavam o rádio naquela emissora.
A Rádio Mayrink Veiga, lá pelos idos da década de 50, era sinônimo de riso e diversão pois, noite após noite, havia um programa humorístico para a diversão das famílias.
Às segundas, era a vez do Vai da Valsa, às terças, Levertimentos, às quartas, não me recordo do programa, talvez fosse PRK-30, às quintas, Esse Norte é de morte e às sextas, bem às sextas, a atenção estava voltada para a Rádio Nacional, com o seu antológico Balança mas não cai.
Voltemos à história narrada no programa, e que tem como pano de fundo a frase "eu quero é rosetar". E nem preciso dizer quem era que repetia a todo instante, com aquele sotaque baiano e cheio de picardia, a frase que deixou as senhoras de Maranguape em pé de guerra.
O Zé era um caminhoneiro que resolveu escrever uma frase no parachoque do seu caminhão, pois afinal de contas, como ele dizia sorrindo, todos os caminhões trazem uma frase nos seus parachoques, e o dele não podia ficar sem dizer nada. E quando ele resolveu dizer "eu quero é rosetar", a cidade veio abaixo, procurou o prefeito, para que obrigasse o caminhoneiro a apagar aquela frase ofensiva, um verdadeiro palavrão. Onde já se viu, dizer que quer rosetar, na frente de senhoras decentes, e diante de crianças que não poderiam ficar expostas a essas frases obscenas.
O prefeito chamou o caminhoneiro, e pediu-lhe que mudasse a frase do parachoque do seu caminhão. Que ele colocasse uma frase menos pesada, sem aquele tom agressivo e desrespeitoso que estava maculando as famílias de Maranguape.
O caminhoneiro, naquele tom arrastado de falar do nosso saudoso Zé Trindade, argumentou com o prefeito que não havia nada de mal no fato dele querer rosetar, aquele era um direito do qual não abriria mão. E alegava ele, para fortalecer seus argumentos que, afinal de contas, ninguém nem sabia o que era rosetar. Nem ele mesmo sabia o que era rosetar, mas havia algo naquela afirmação que mexia com ele, e ele não iria tirar aquela frase do seu caminhão.
As mulheres foram ao padre da Matriz de Maranguape, e apelaram para o poder do vigário que, naquele tempo, era bem maior do que o do prefeito. O padre argumentou que não via nenhuma intenção maldosa na frase, mas se comprometeu a conversar com o caminhoneiro, e convencê-lo a escolher uma outra que as senhoras considerassem menos escabrosa. E assim fez.
O caminhoneiro pediu a benção ao vigário, se confessou um homem temente a Deus que jamais se negaria a atender um pedido da Igreja, e depois de muitas tentativas, entregou os pontos, e prometeu ao padre mudar a frase.
No domingo, durante a missa, o padre tranquilizou o povo da cidade, informando que a frase repudiada pelas senhoras e pelas famílias zelosas pela decência da paróquia seria apagada do parachoque do caminhão de nosso caminhoneiro, teimoso é verdade, mas um homem de bem. As palavras do padre caíram nas almas das paroquianas como um bálsamo sagrado, que as aliviava do convívio com o pecado, que para elas era a expressão mais clara da presença daquela afirmação maldosa à vista do povo da cidade.
Imagine, se um cidadão decente diz na frente de uma senhora que ele quer rosetar !
Mas, alguns homens ainda se atreveram a perguntar ao padre, o que era rosetar. O padre não soube responder, mas achou melhor, saindo pela tangente, dizer que não era coisa boa. As mulheres iam mais além, e afirmaram em alto e bom tom que era coisa do demônio. Os homens, meio que de lado, ouviam tudo, encolhiam os ombros, e preferiam não dar opinião.
Terminada a missa, o povo está saindo da igreja, quando se ouviu ao longe o ruído do caminhão do nosso frustrado roseteiro. Os olhos se voltaram para a estrada, onde se via a poeira levantar. Todos se puseram a tentar ler a nova frase escrita no parachoque.
Ah, foi uma exclamação geral, quase uma indignação coletiva, quando se ouviu a voz do Zé Trindade, com aquele sabor característico de quem adora uma molecagem, dizer a nova frase que agora ia estampada no parachoque do seu caminhão.
"Continuo querendo".
A voz de Chico Anysio fechava o programa com um comentário alusivo ao modo diferente de ser do povo do Norte, e convidava a todos que voltassem a sintonizar na próxima semana , no mesmo dia e no mesmo horário, para ouvirem uma outra história daquele Norte que é de morte.
A família achava graça, era uma história ingênua, é verdade, mas de um humor inteligente e com a malícia de quem sabe contar histórias. O rádio era desligado, pois era hora de dormir. Dormia-se cedo, lá pelas 10 horas, no máximo 10 e meia.
Quantos da nossa época não foram para a cama com aquela frase na cabeça, repetida inúmeras vezes pelo sotaque baiano do Zé Trindade, imaginando o que seria rosetar. Será que rosetar era uma coisa ruim ? Seria bom rosetar ?
A vida continuava, após cada programa, e depois de cada noite, deixando na memória da gente traços de um humor que valia a pena recordar. As risadinhas sarcásticas com o sabor de molecagem, que antecediam as tiradas de humor do Zé Trindade, permaneceriam em nossas memórias e atravessariam os tempos, para jamais serem esquecidas.
A eternidade parece ter tido o seu início naquela época, quando tudo começava num programa de rádio, para jamais ser esquecido. Assim era a Era do Rádio, um tempo que se foi, mas que permanece para sempre gravado na mente dos que tiveram o privilégio de pertencer àquela geração.
2 comentários:
Olá menino!
que maravilha seu blog!
Fico feliz qdo alguém como vc enche nossos olhos com essas matérias antigas,parabéns
tenho guardados que poderia servir
para esse blog,se precisar...
Fique à vontade para pedir
Fique com Deus
{ croche da tia cida }
entre em meu blog e boa sorte com o seu
Oi, Roberta, agradeço a visita e a gentileza dos seus comentários.
Nesse blog eu rememoro meus tempos de criança e falo das memórias que trago daquela época, quando tudo parecia sonho e fantasia.
Visite-me de sempre, pois tenho muitas tradições e hábitos interessantes daquela época a comentar.
Eu não consegui acessar o seu blog, mas gostaria de fazê-lo. Pode confirmá-lo , por favor ?
Um abraço
Gilberto.
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