sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Esse Norte é de morte

"Eu quero é rosetar".
Essa frase polêmica foi tema de uma jocosa história contada por Chico Anysio no seu ingênuo, porém sempre brilhante, programa Esse Norte é de morte.
Este era mais um daqueles inesquecíveis momentos, da programação noturna da Rádio Mayrink Veiga, quando o humor ficava por conta de comediantes geniais, dentre os quais o insuperável Zé Trindade.
Com um sotaque baiano e um jeito matreiro de lidar com os fatos, o Zé era uma figuraça, e sua voz provocava gargalhadas, mesmo quando repetia as mesmas frases já manjadas - "como disse, como disse?" - "mulheres, cheguei" - "dandá pra ganhar tentém", e por aí afora.
Era noite de uma quinta-feira, e o rádio estava sintonizado na Rádio Mayrink Veiga, quando o apresentador anunciou mais um Esse Norte é de morte, um programa que contava histórias do Norte, como era mais conhecido naquela época o Nordeste.
O script era de um dos mais ilustres filhos desse Norte, que fica meio para os lados do Leste, natural de Maranguape, chamado Chico Anysio.
A história daquela noite era simples como todas que, a cada semana, eram contadas pelo próprio Chico, que as relatava como se verdadeiras fossem, e nós acreditávamos, pois a crença ajudava a gargalhada fácil, que era a única intenção dos que sintonizavam o rádio naquela emissora.
A Rádio Mayrink Veiga, lá pelos idos da década de 50, era sinônimo de riso e diversão pois, noite após noite, havia um programa humorístico para a diversão das famílias.
Às segundas, era a vez do Vai da Valsa, às terças, Levertimentos, às quartas, não me recordo do programa, talvez fosse PRK-30, às quintas, Esse Norte é de morte e às sextas, bem às sextas, a atenção estava voltada para a Rádio Nacional, com o seu antológico Balança mas não cai.
Voltemos à história narrada no programa, e que tem como pano de fundo a frase "eu quero é rosetar". E nem preciso dizer quem era que repetia a todo instante, com aquele sotaque baiano e cheio de picardia, a frase que deixou as senhoras de Maranguape em pé de guerra.
O Zé era um caminhoneiro que resolveu escrever uma frase no parachoque do seu caminhão, pois afinal de contas, como ele dizia sorrindo, todos os caminhões trazem uma frase nos seus parachoques, e o dele não podia ficar sem dizer nada. E quando ele resolveu dizer "eu quero é rosetar", a cidade veio abaixo, procurou o prefeito, para que obrigasse o caminhoneiro a apagar aquela frase ofensiva, um verdadeiro palavrão. Onde já se viu, dizer que quer rosetar, na frente de senhoras decentes, e diante de crianças que não poderiam ficar expostas a essas frases obscenas.
O prefeito chamou o caminhoneiro, e pediu-lhe que mudasse a frase do parachoque do seu caminhão. Que ele colocasse uma frase menos pesada, sem aquele tom agressivo e desrespeitoso que estava maculando as famílias de Maranguape.
O caminhoneiro, naquele tom arrastado de falar do nosso saudoso Zé Trindade, argumentou com o prefeito que não havia nada de mal no fato dele querer rosetar, aquele era um direito do qual não abriria mão. E alegava ele, para fortalecer seus argumentos que, afinal de contas, ninguém nem sabia o que era rosetar. Nem ele mesmo sabia o que era rosetar, mas havia algo naquela afirmação que mexia com ele, e ele não iria tirar aquela frase do seu caminhão.
As mulheres foram ao padre da Matriz de Maranguape, e apelaram para o poder do vigário que, naquele tempo, era bem maior do que o do prefeito. O padre argumentou que não via nenhuma intenção maldosa na frase, mas se comprometeu a conversar com o caminhoneiro, e convencê-lo a escolher uma outra que as senhoras considerassem menos escabrosa. E assim fez.
O caminhoneiro pediu a benção ao vigário, se confessou um homem temente a Deus que jamais se negaria a atender um pedido da Igreja, e depois de muitas tentativas, entregou os pontos, e prometeu ao padre mudar a frase.
No domingo, durante a missa, o padre tranquilizou o povo da cidade, informando que a frase repudiada pelas senhoras e pelas famílias zelosas pela decência da paróquia seria apagada do parachoque do caminhão de nosso caminhoneiro, teimoso é verdade, mas um homem de bem. As palavras do padre caíram nas almas das paroquianas como um bálsamo sagrado, que as aliviava do convívio com o pecado, que para elas era a expressão mais clara da presença daquela afirmação maldosa à vista do povo da cidade.
Imagine, se um cidadão decente diz na frente de uma senhora que ele quer rosetar !
Mas, alguns homens ainda se atreveram a perguntar ao padre, o que era rosetar. O padre não soube responder, mas achou melhor, saindo pela tangente, dizer que não era coisa boa. As mulheres iam mais além, e afirmaram em alto e bom tom que era coisa do demônio. Os homens, meio que de lado, ouviam tudo, encolhiam os ombros, e preferiam não dar opinião.
Terminada a missa, o povo está saindo da igreja, quando se ouviu ao longe o ruído do caminhão do nosso frustrado roseteiro. Os olhos se voltaram para a estrada, onde se via a poeira levantar. Todos se puseram a tentar ler a nova frase escrita no parachoque.
Ah, foi uma exclamação geral, quase uma indignação coletiva, quando se ouviu a voz do Zé Trindade, com aquele sabor característico de quem adora uma molecagem, dizer a nova frase que agora ia estampada no parachoque do seu caminhão.
"Continuo querendo".
A voz de Chico Anysio fechava o programa com um comentário alusivo ao modo diferente de ser do povo do Norte, e convidava a todos que voltassem a sintonizar na próxima semana , no mesmo dia e no mesmo horário, para ouvirem uma outra história daquele Norte que é de morte.
A família achava graça, era uma história ingênua, é verdade, mas de um humor inteligente e com a malícia de quem sabe contar histórias. O rádio era desligado, pois era hora de dormir. Dormia-se cedo, lá pelas 10 horas, no máximo 10 e meia.
Quantos da nossa época não foram para a cama com aquela frase na cabeça, repetida inúmeras vezes pelo sotaque baiano do Zé Trindade, imaginando o que seria rosetar. Será que rosetar era uma coisa ruim ? Seria bom rosetar ?
A vida continuava, após cada programa, e depois de cada noite, deixando na memória da gente traços de um humor que valia a pena recordar. As risadinhas sarcásticas com o sabor de molecagem, que antecediam as tiradas de humor do Zé Trindade, permaneceriam em nossas memórias e atravessariam os tempos, para jamais serem esquecidas.
A eternidade parece ter tido o seu início naquela época, quando tudo começava num programa de rádio, para jamais ser esquecido. Assim era a Era do Rádio, um tempo que se foi, mas que permanece para sempre gravado na mente dos que tiveram o privilégio de pertencer àquela geração.







































2 comentários:

Cida Cassanho disse...

Olá menino!
que maravilha seu blog!
Fico feliz qdo alguém como vc enche nossos olhos com essas matérias antigas,parabéns
tenho guardados que poderia servir
para esse blog,se precisar...
Fique à vontade para pedir
Fique com Deus
{ croche da tia cida }
entre em meu blog e boa sorte com o seu

Gilberto Gonçalves disse...

Oi, Roberta, agradeço a visita e a gentileza dos seus comentários.
Nesse blog eu rememoro meus tempos de criança e falo das memórias que trago daquela época, quando tudo parecia sonho e fantasia.
Visite-me de sempre, pois tenho muitas tradições e hábitos interessantes daquela época a comentar.
Eu não consegui acessar o seu blog, mas gostaria de fazê-lo. Pode confirmá-lo , por favor ?
Um abraço
Gilberto.