domingo, 28 de setembro de 2008

O pregão que mexia com as bolsas

-Vaaassoureiroooooo.
Este pregão era um prenúncio de uma queda nas bolsas. Nada que interferisse em ações ou dólares, apenas uma pequena retirada de alguns mil réis das bolsas dos moradores da minha rua.
O vassoureiro era uma figura tradicional dos meus tempos de criança, perambulando pelas ruas do bairro e apregoando as suas mercadorias.
As donas-de-casa sempre guardavam algumas economias para investir na compra de vassouras e espanadores.
Não havia supermercados naquela época, e mesmo os armazéns não conseguiam competir com o tradicional vassoureiro. Aquele pregão mexia com as bolsas das madames, que iam até o portão, assim que ouviam o pregão e, sem temer perdas, investiam na limpeza da casa.
Um outro pregão tradicional naqueles meus tempos de menino era o do garrafeiro. O que circulava pela minha rua, apregoando a compra de garrafas vazias, era um senhor português rechonchudo, que lembrava um Papai Noel de aparência descuidada, com o seu saco nas costas.
O pregão do garrafeiro, ao contrário do vassoureiro, trazia retorno imediato dos investimentos, à medida que as garrafas oferecidas eram bem aceitas pelo garrafeiro. Nem todas garrafas eram negócios garantidos, o garrafeiro como qualquer investidor escolhia onde o investimento era mais seguro. As donas-de-casa regateavam os valores ofertados, tentando valorizar suas garrafas, e recuperar assim os gastos que tinham com o vassoureiro.
As bolsas na década de 50 continham as reservas da família, e as ações mais valorizadas eram as que equilibravam os orçamentos domésticos, por isto um trocado conseguido na venda de garrafas vazias podia ajudar na compra de vassouras.
Os pregões não ficavam só por conta de vassoureiros ou garrafeiros, muitos outros corretores tentavam vender seus títulos na Bolsa de Mercadorias, que eram as ruas de terra do bairro onde eu morava. Aquelas mesmas ruas que eram feitas todas de chão, e que levantavam um poeirão, quando passava um automóvel.
O vendedor de frutas apregoava suas laranjas, maçãs e bananas. A vaca leiteira buzinava e convocava a vizinhança para a compra do leite, em garrafas de vidro ou leiteiras de alumínio. O baiano, vestido de branco, carregava seus manjares, cocadas e cuscuz, e apregoava a excelência dos produtos. O tripeiro com seu cavalo branco, e a passos lentos, ia tentando convencer a todos para que investissem nas peças de fígado, rins e tripas, que ele mantinha bem conservadas, numa caixa cheia de gelo.
Esses pregões eram os que mexiam nas bolsas e nos bolsos, nos idos da década de 50, durante a romântica e sonhadora Era do Rádio.
A meninada acompanhava aquele comércio do bairro com uma certa curiosidade, mas sem se envolver muito com os investimentos e as ações da família, que ficavam por conta das mães, tias e avós, que eram as encarregadas de lidar com os pregões.
Mergulhado na leitura dos gibis da época, eu ouvia ao longe os pregões, mas não desgrudava os meus olhinhos dos quadrinhos do Fantasma, do Mandrake e dos mocinhos que combatiam os bandidos nas páginas e nas fantasias dos meus sonhos. O que mexia mesmo comigo era o barulho da bola de borracha quicando nas rua, e a gritaria da turma me chamando para a pelada. Esse pregão me atraía mais do que qualquer outro, e lá ía eu investir o meu tempo nas ações de rua, driblando, chutando e gritando gol.
Minha mãe ocupada nos seus afazeres domésticos, cozinhava o almoço, costurava as nossas roupas ou encerava a casa. O rádio, bem, o rádio era o testemunho de todos esses pregões e ações, transmitindo notícias, tocando músicas e irradiando jogos.
Durante o dia, ouvia-se a Rádio Nacional ou a Tupi, que também tinha os seus programas musicais, como o Cacique no Ar, com orquestra, coral e artistas, apresentando-se ao vivo, e fazendo o seu pregão musical. À noite, Nacional e Mayrink Veiga eram as preferidas, com as novelas, as crônicas e os programas humorísticos.
Entre um Amendoim Torradinho, na voz da Ângela Maria, e um Beijinho Doce, com a Adelaide Chiozzo, nós íamos registrando na alma, aqueles momentos inesquecíveis da Era do Rádio.
Só mesmo quem viveu aquele tempo, pode saber do que estou falando.
À tarde, já de banho tomado, e ouvindo ao longe um chorinho, vindo dos altofalantes do parque de diversões, eu cercava a carrocinha da Kibon, e escolhia um Tom-bom de limão, um Kalu de abacaxi, um Jajá de côco ou um Chica-bom de chocolate. Se o dia estivesse mais frio, a pedida era o Eskibon, uma delícia de chocolate, embalado numa caixinha.
Bons tempos aqueles, em que os pregões mexiam com as bolsas, mas não provocavam crises, nem causavam depressões.


Nenhum comentário: