"Esquece por momentos teus cuidados, e passa teu domingo em Paquetá".
Os versos de Braguinha me fazem recuar no tempo, até os anos 50, quando Paquetá era o meu Jardim do Éden.
A Ilha de Paquetá era o xodó do tio Sandoval, que tinha uma verdadeira adoração por aquele recanto de amor.
Eu embarquei no sonho do meu tio, e não conseguia dormir, quando minha família se programava para passar um fim-de-semana em Paquetá.
Naqueles idos de 50, meu tio Sandoval decidiu comprar uma casa em Paquetá, para seu descanso de final de semana. Na sexta-feira, ele saía da Rádio Nacional, à noite, pegava a última barca, e chegando no cais, dava alguns passos e já estava em casa.
A casa era um encanto de conforto e muito aconchegante, com seu salão no 1º andar e os quartos no andar de cima. Ainda hoje, trago na memória o cheiro do mar, que entrava pela janela do banheiro, quando de manhã cedo, eu ia escovar os dentes. O banheiro ficava no 2ºandar, e recebia a brisa matinal, vinda da praia.
Os preparativos de viagem, naqueles finais de semana, me deixavam numa excitação indescritível. A família suburbana saía de casa, ainda no escuro, para pegar o lotação Cordovil-PraçaXV, que passava no Largo de Bonsucesso.
Quando chegava na Praça XV, a simples contemplação do mar, junto ao cais, e o cheiro de maresia me deixavam em êxtase.
Se viajávamos de barca, eu tinha lá minhas preferências, "a Terceira é muito lenta, a Sétima é melhor". As barcas da Cantareira eram numeradas, por sei lá que critério, nem me interessava.
Lentamente, a barca se arrastava pelas águas calmas da Baía de Guanabara. Vez por outra, enfrentava-se um mar mais agitado, que as grandes barcas encaravam com relativa estabilidade.
Se a opção fosse a lancha, então a viagem era mais rápida, cerca de uma hora, contra duas, ou um pouco mais, das barcas. Eu preferia a Pedreira, mas não via com maus olhos ter de viajar numa das Orientes I ou II. Essas eram lanchas grandes, que davam uma sensação de segurança, pelo menos para um menino sonhador, que aceitaria uma jangada, se preciso fosse, para alcançar o seu destino, a Ilha de Paquetá.
Em lá chegando, encontrava-se o tio Sandoval, de bermuda, pedalando a sua bicicleta e cheio de energia. Lembro-me que, um dia, ele me convidou para dar uma volta no porta-embrulho da bicicleta, e lá fui eu, cheio de orgulho, me sentindo importante, por estar ali com meu tio, um músico famoso. De repente, meu tio parou a bicicleta, atendendo o chamado de um conhecido. Começaram a conversar sobre composições de autoria daquele que parecia ser um compositor musical, ou pretendia ser. Meu tio pediu que ele cantasse um trecho da música que ele havia composto, o cidadão limpou a garganta e mandou ver. Finda a breve audição, tio Sandoval recomendou que ele o procurasse, na segunda -feira, na Rádio Nacional. E seguimos o nosso passeio, com o meu coração acelerado, por haver presenciado um fato inusitado, para uma criança na minha idade. Eu devia ter 7 ou 8 anos, e não estava acostumado com aquele mundo artístico.
O amor do tio Sandoval por Paquetá durou alguns anos e rendeu-me belos finais de semana olorosos, quando o mar desfeito em rosas refletia a lua cheia. O marulhar das ondas na praia, ao cair da tarde, voltava comigo para casa, gravado em minha memória, e embalava o meu sono pelas semanas seguintes, até que acontecesse um novo fim de semana em Paquetá.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
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2 comentários:
E eu não conheci Paquetá !
Que pena não ter passado uns dias lá com você "abraçadinhos, descuidados sob um céu de flamboyant".
Beijo
Minha querida, Flora, não se esqueça que havia um oceano separando a romântica ilha do continente.
Se não atravessamos os mares, nem por isso deixamos de ficar abraçadinhos, enquanto o mar quebrava na areia. Se não sob um céu de flamboyant, e não tão descuidados assim, pelo menos nas praias da Ilha do Governador e mais tarde na Barra.
De qualquer forma, devo reconhecer que, foi mesmo uma pena, não passearmos de mãos dadas junto à Pedra da Moreninha ou nos sentarmos debaixo das árvores na Praia da Guarda, admirando o ir e vir do mar.
Beijos.
Gilberto.
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