Sandoval Dias, um dos "cobras" dentre os músicos da Era do Rádio no Brasil, como foi chamado pela Revista Radiolândia, nasceu na Bahia, em 4 de maio de 1906.
Publico a declaração de próprio punho do meu tio Sandoval, em que ele, de forma simples, como era o seu estilo, conta de modo sucinto, a sua trajetória musical.
"Vim para o Rio ainda muito jovem e resolvi aprender música com meu pai, e tocando trompete, instrumento que soprei por pouco tempo, passando para o saxofone-tenor com o qual me dei muito bem, pois com pouco tempo de estudos me revelei um bom instrumentista, e fui logo convidado para participar das melhores orquestras do Rio, atuando em todos os cassinos e estações de rádio.
Em 1941, ingressei na rádio Nacional do Rio como solista de saxofone-tenor, onde permaneci até 1961(20 anos), quando fui transferido para a Rádio Ministério da Educação e Cultura(MEC).
Depois de uma pequena prova, ocupei o cargo de claronista(clarinete-baixo) na Orquestra Sinfônica Nacional do MEC, sob a regência do Maestro Eliazar de Carvalho.
Na época em que trabalhei na Rádio Nacional, fui também contratado exclusivo da Philips do Brasil, para gravações fonográficas durante cinco anos."
De acordo com informações prestadas por minha prima, Tio Sandoval gravou 14 LPs e diversos discos de 78rpm. Ainda contando com minha prima, como fonte de informação, os LPs seriam Um saxofone em hi-fi, Um saxofone depois da meia-noite, Dançando com Sandoval Dias, OK para dançar, Dançando com o sucesso, Sandoval Dias e seu sax dançante, Sandoval Dias e seu sax romântico, Música de Maysa, Ao encontro da música, Boleros, Ritmo de bolero, Um saxofone em ritmo de bolero, Um saxofone em ritmo de bolero nº 2 e o Brasiliana nº 7 e 8.
Em futuras postagens, pretendo comentar sobre cada LP, falando da seleção musical e de suas interpretaçõe, algumas delas memoráveis, como sua sensacional performance, numa das faixas do LP Um saxofone em hi-fi, interpretando Czardas, música que sempre foi um desafio para os violinistas e que se rendeu à técnica extraordinária de Sandoval e seu sax-tenor. Esta interpretação é imperdível para os amantes da música instrumental, e justifica o elevado conceito que Sandoval Dias sempre desfrutou entre os grandes maestros de sua época.
Sandoval Dias participou das grandes orquestras da Era do Rádio, dentre elas a de Fon-fon, Chiquinho, Zacarias e muitas outras, sob as regências de nomes famosos como Lyrio Panicalli, Eliazar de Carvalho e Radamés Gnatalli.
Radamés considerava Sandoval um dos grandes músicos do seu tempo, e para ele compôs uma música num estilo erudito, que Radamés preferia chamar de música de concerto, a Brasiliana nº 7, tendo gravado essa música junto com Sandoval e com sua irmã Aída Gnattalli, num duo ao piano. De Radamés, Sandoval também gravou Amigo Pedro e Pé ante Pé, e que são citadas como obras importantes de autoria de Radamés Gnatalli, que, no entanto, não podem ser comparadas com a grandeza musical da Brasiliana, dedicada a Sandoval.
No site de Leo Gandelman, um dos grandes saxofonistas modernos, o músico Henrique Cazes comenta a admiração que Radamés nutria por Sandoval e Zé Bodega, como grandes saxofonistas que eram, e ressalta a restrição que Sandoval sofria de seus contemporâneos, por não haver aderido às influências jazzísticas.
Ouvindo-se os LPs de Sandoval Dias, pode-se comprovar sua preferência por canções românticas e dançantes, nas quais se sentia muito à vontade para impor o seu fraseado suave e envolvente, repleto de emoção. O jazz, sem dúvida, não o atraía, nem como estilo musical, nem como forma de extravasar a sua criatividade artística, como costuma ocorrer nas famosas "jam-sessions". Se foi esse desprezo pelo jazz que atrapalhou a sua fama, talvez ninguém possa afirmar com certeza, e nem vale a pena especular. Entendo que o verdadeiro artista tem seu espaço, qualquer que seja a sua preferência musical, desde que possúa talento e sentimento para expor a sua arte. E isso não se pode negar a Sandoval Dias e seu sax-tenor.
Na década de 60, Sandoval dias participou do grupo "Os Boêmios" da Rádio MEC, ao lado de Homero Gelmim (violino), Eugênio Martins (flauta), Gabriel Henriques (baixo) Artur Duarte e Carlos Lentini (violão), Waldemar Melo (cavaquinho) e Cabore (percussão). O repertório do grupo era de música popular brasileira, misturando sambas, chorinhos, sambas-canções e valsas, com um estilo nobre de interpretar, digno dos músicos componentes de orquestra sinfônica e que compunham o grupo.
Na década de 70, Sandoval Dias aposentou-se, e passou a se dedicar à regência de Bandas, em Cordeiro e Nova Friburgo, e mais tarde, veio a assumir a função de Maestro da Banda Civil do Rio de Janeiro, função que exerceu até o ano de 1993, quando veio a falecer, no dia 6 de setembro.
Tendo como fundo musical a maravilhosa seleção do LP Um saxofone em hi-fi, que tem na capa a foto da Jayne Mansfield, vestindo um baby-doll preto, coisas da época para atrair o comprador, eu mergulhei no tempo, para escrever este texto. E nesse mergulho profundo, me vieram à lembrança saudosas recordações de uma época romântica e musical, quando tudo o que se fazia era alimentado por um fundo musical, que vinha de um aparelho de rádio.
Enquanto escrevia, eu recordei, entre outras, No Rancho Fundo, Autumn Leaves, Pensando em Ti, Around the World e a já comentada e exaltada Czardas. Era com fundos musicais que se vivia naqueles tempos idos, como costuma dizer a minha Flora, tão saudosa quanto eu daqueles inesquecíveis momentos vividos na Era do Rádio.
segunda-feira, 30 de março de 2009
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7 comentários:
Bravo, Gilberto!
Mais um baiano que merece destaque. interessante conhecer o Sandoval Dias. Que bom que ele possui uma boa discografia,assim poderemos conhecer a importancia do seu trabalho musical.
Parabéns pela postagem.
Abraços,
Roberto Luis.
Obrigado por suas palavras de incentivo, meu amigo Roberto.
Sandoval foi meu tio, e quando percebi que ele era muito admirado entre os grandes nomes musicais de sua época, e muito pouco promovido junto ao público, resolvi começar a publicar informações sobre a vida dele.
Com isso, estou contando com a ajuda de minha prima, que me forneceu toda a discografia dele, anotações e fotos.
De vez em quando, eu também irei abordar alguns momentos vividos em família, e que fazem parte de minhas lembranças de infância e juventude.
Apareça sempre.
Um abraço.
Gilberto.
Prezado Gilberto,´
Gostaria de expressar minha profunda gratidão pelas informações que você compartilhou sobre o nosso querido Sandoval Dias, um dos maiores saxofonistas brasileiros de todos os tempos. Na condição de tenorista e claronista, posso afirmar que pouquíssimos músicos brasileiros atingiram o grau de maturidade e profundidade que ele alcançou. Há muito tempo venho procurando informações e gravações do Sandoval aqui no Rio de Janeiro sem sucesso, com excessão de alguns registros do grupo "Os Boêmios", a Brasiliana nº7 e algumas gravações com clarone na orquestração que provavelmente foram tocadas por ele. Lembro de dois choros dedicados a ele: "Sandoval em Bonsucesso" e "Encontro com Sandoval", de Fats Elpídio se não me engano, gravado pelo Luíz Americano. Recentemente um colega de Belo Horizonte me forneceu dois dos títulos que você citou, em MP3. Atualmente,o saxofonista brasileiro é muito carente de referências de músicos que souberam cultivar e preservar a brasilidade na linguagem instrumental, como Pixinguinha, Luíz Americano, Abel Ferreira, e o Sandoval, é claro. Na minha opinião, o fato dele ter colocado o seu coração nas tradições brasileiras foi um dos seus maiores trunfos como instrumentista, e não um fator determinante na falta de popularidade que suas gravações alcançaram na época, já que outros grandes saxofonistas brasileiros contemporâneos de Sandoval que eram jazzistas, como Zé Bodega e Casé por exemplo, são completamente desconhecidos do público em geral. Urge que se realize um projeto que reúna a discografia completa e uma biografia do Sandoval, para que este patrimônio da cultura brasileira possa ser resgatado e preservado para as próximas gerações. Fechando, também quero te dizer da minha satisfação em saber das tuas linhas de trabalho no campo espiritual, com as quais tenho a maior afinidade e gostaria de trocar idéias e informações se possível. Um grande abraço e muito obrigado. paescarvalho@ig.com.br
Meu caro Pedro:
Recebi com muita satisfação os seus comentários sobre o talento de Sandoval Dias.
Sandoval foi meu tio, por ter-se casado com minha tia, irmã de minha mãe.
O convívio com ele foi muito prazeroso, pois era uma pessoa muito alegre e criativa.
A obra dele, gravada em LPs, eu consegui de minha prima, que passou tudo para CD.
No meu blog Na Era do Rádio, eu fiz outras postagens sobre sua música e seus hábitos.
Qualquer outra informação que deseje, é só me escrever.
Um abraço.
Gilberto.
Gilberto prezado cheguei em seu blog através de uma pesquisa ,procurando ter o máximo de informações sobre Sandoval Dias,e fiquei bastante emocionado ao ler o seu artigo sobre matinês Sou um leopoldinense distante que tenho todas minhas raízes familiares em Olaria ,Ramos ,Penha e Braz de Pina,eis que vislumbrei uma foto do Cine São Pedro - meu primeiro cinema onde fui com meus pais e irmãos assistir ao Mogli de Walt Disney ,é como se um clarão alumiasse o recanto da memória onde estavam várias e belas lembranças de um Rio de Janeiro infinitamente mais suave.Muito obrigado pela postagem que me levou décadas atrás.Grande abraço
Meu caro, Alexandre:
Agradeço a sua visita e fico muito feliz em saber da sua pesquisa sobre o grande músico que foi o meu tio Sandoval.
Se quiser mais informações poderá contactar o Pedro Paes que é também músico e que está fazendo pesquisa semelhante à sua. Se tiver interesse é só me escrever, que dou o email dele.
O meu é gilbertodacunhagoncalves@gmail.com
Em relação às suas recordações da leopoldina e do cinema São Pedro, eu morei em Bonsucesso por toda a minha juventude, e freqüentava os cinemas de todos os bairros vizinhos.
Eu adorava a sessão da tarde do Cine Leopoldina, em Olaria, com a sessão dupla, dois filmes pelo preço de um. Gostava demais do Cine Mauá, com sua refrigerção de frio intenso, onde eu me refugiava das tardes quentes do Rio.
Eu sempre gostei muito de cinema, e ia a todos eles. Rosário, Mello, São Pedro e o Leopoldina eram os mais freqüentados.
E um alerta final, é que existem várias outras postagens sobre a vida de Sandoval no meu blog.
O Pedro, de quem lhe falei, ganhou todos os LPs do meu tio, que foram emprestados por minha prima, para que ele gravasse em CD.
Volte sempre.
Um abraço.
Gilberto.
http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/03/o-saxofonista-sandoval.html
devo ter uns 10 discos do Sandoval
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